quinta-feira, setembro 25, 2008



Persepolis - Marjane Satrapi

Persepolis trata-se da banda desenhada autobiográfica da iraniana Marjane Satrapi. O livro encontra-se à venda na FNAC (em inglês) e é constituído por duas partes, The Story of a Chilhood e The Story of a Return, não tendo interesse ler uma parte sem a outra (um pouco à semelhança de Maus de Art Spigelman). Na primeira parte Marjane forma a sua identidade por entre as contradições do que a sua família representa na luta pela liberdade e do que ela absorve na escola e no mundo exterior. Uma vez que Marjane se torna numa jovem demasiado rebelde para o regime instaurado e incapaz de conter os seus valores de igualdade/justiça, os seus pais, numa tentativa de salvá-la de uma provável execução/tortura, enviam-na para um colégio francês em Viena de Áustria. A nova vida de Marjane revela-se um pesadelo, com a sua incapacidade de se adaptar ao estilo europeu mantendo a identidade iraniana. Na segunda parte do livro Marjane volta para o Irão para junto da família, mas as contradições continuam e ela tem de aprender a viver de novo com o véu e com o regime repressivo.
O livro é muito interessante mas ao mesmo tempo muito deprimente, mesmo com todo o humor derivado da ridicularização da vida no Irão (os mártires, o véu, a guerra contra o Iraque, etc.). Mas dentro do que é a história de guerra e opressão religiosa num país que outrora tinha sido tão rico e culturalmente inteligente, dificilmente se teria conseguido uma história mais bem disposta, uma vez que temos acesso ao crescimento de uma pessoa num ambiente que nos é tantas vezes mostrado apenas na perspectiva ocidentalizada. Vi o filme correspondente há pouco tempo e achei-o muito bem conseguido, e talvez devido ao factor surpresa gostei mais do filme do que o livro.

sexta-feira, setembro 05, 2008



A Estrada - Cormac McCarthy




Este foi o primeiro livro que li de C. McCarthy e deixou-me confusa quanto à simples opinião do gostar ou não gostar.
A história é excelente. A forma como é contada é um tanto aborrecida.
EUA. Um pai e um filho. A quase total aniquilação de tudo o que é vivo. Só a esperança de que o dia de amanhã vai chegar.
O autor não revela o que aconteceu para estarmos num mundo sem sol, sem animais, sem plantas, com o mar, a chuva e a neve cinzentos, com pessoas (poucas) famintas ao ponto do canibalismo. E um pai e um filho caminham ao longo da estrada, esforçando-se para fazerem parte "dos bons", dos que não comem outras pessoas, dos que passam fome durante dias até encontrarem uma casa abandonada (como todas) com comida enlatada de validade duvidosa.
A inocência da criança que contrasta com o mundo que é descrito. E a coragem do pai, coragem para querer viver, quando nada faz sentido, nada existe que dê vontade de viver. A não ser, o pai, e o filho.
"Este é o meu filho, disse. Lavo-lhe o cabelo, sujo com os miolos de um morto. É a tarefa que me cabe."
Durante todo o livro é comovente a ligação entre estes dois. Daí que quando no fim do livro um deles morre e o outro continua, desvaloriza essa ligação.
Se conforme a Ssachy escreveu, esta história for para o grande ecrã, espero que seja bastante adaptada, dado que não há propriamente muita acção. Fico a aguardar.

quarta-feira, setembro 03, 2008



Rosa Lobato de Faria
O Prenúncio das águas

Associando a escritora ao mundo das novelas da televisão e canções para a Eurovisão e outras coisas menos interessantes (se assim quisermos falar), como ter sido a autora do hino do CDS, foi uma verdadeira surpresa a leitura deste livro, que me tendo sido aconselhado só o li por dever a cumprir e por alguma expectativa de que a conselheira, pessoa que estimo pelo conhecimento da literatura, me não iria enganar.
E é assim que a ignorância alimenta a injustiça, pelo que me redimo pela minha atitude. A sua versatilidade provem assim da sua inteligência e ao que parece, dela não fará publicidade.
É uma escrita feminina, com registo de sentimentos fortes –ciúmes, inveja, traição, etc, de um Portugal rico de lendas, de pequenas histórias de encantamentos como a a felidona (igual a lobisomem, na versão feminina), ou a moça-encantada-em-cobra (cobra meia bicho, meia mulher), enfim de um universo em que a fantasia e a realidade se cruzam ao longo do livro. Há três irmãs muito infelizes, uma jornalista regressada de França, um macho garanhão, um doutor apaixonado, uma velha bruxa de cajado de pau de marmeleiro, que se movem numa aldeia alentejana chamada Rio do Anjo, que tal como a Aldeia da Luz, vai ser condenada a ser submersa pelas águas do rio. A Aldeia do Luto será o nome dado ao novo espaço, face à recusa passiva do povo à mudança. Com grande domínio da escrita, a história vai sendo descoberta pelo leitor e à medida que as suas personagens vão falando de si. Depois há aquele anjo que voa com a velha cansada até ao paraíso…

Kivi

segunda-feira, setembro 01, 2008


Eric Weiner – A Geografia da Felicidade

À primeira vista parece um livro lamechas sobre a busca da felicidade. Eric Weiner resolveu fazer uma viagem pelas diferentes sociedades e para tentar entender o que realmente torna uma sociedade feliz. Os países escolhidos foram a Holanda, a Suiça, o Butão, o Qatar, a Islândia, a Moldávia, a Tailândia, a Grã-Bretanha, a Índia e os EUA. Eric não visitou os países onde as necessidades básicas do cidadão não são satisfeitas porque aí obviamente que não há grande felicidade. Comprei este livro porque tive curiosidade sobre o que Eric Weiner tinha a dizer sobre a Grã-Bretanha.

O livro conquista qualquer pessoa que goste de literatura de viagens, especialmente porque os países escolhidos são tão diferentes uns dos outros. É como viajar sem sair de casa. Por outro lado, estamos a viajar dentro da mente de um jornalista americano com todas as implicações que isso acarreta, como a subjectividade e a dificuldade em livrar-se de estereótipos. Em muitos destes países Eric não passa tempo suficiente para fazer uma análise fidedigna. Notamos isso relativamente à Grã-bretanha. Apesar de todas estas limitações vale a pena ler o livro. Quando o terminei fiquei insatisfeita com o fim da “viagem”, gostaria que Eric fosse a mais locais interagir com as pessoas e confrontá-las com o seu modo de vida.

Em relação ao tema da “felicidade”, Eric faz um bom trabalho porque não se deixa cair no âmbito da “auto-ajuda” do género “aprendam com estes ou aqueles porque eles é que sabem”. Como jornalista que é, Eric tenta recorrer a fontes credíveis (universidades) para obter dados sobre a satisfação pessoal das populações. A interacção com pessoas que o possam elucidar mais sobre cada país também faz parte da pesquisa de Eric, apesar de em alguns países não seja fácil. Resumindo um pouco o que Eric andou a fazer:

Na Holanda, teve acesso à base de dados sobre felicidade da Universidade de Roterdão que interpretou com ajuda dos investigadores, descobrindo que no mundo a maioria das pessoas é feliz.
Na Suiça Eric andou nos melhores transportes públicos do mundo e conversou com pessoas que não se importam com a quantidade de regras a que estão sujeitos, como a de não poder utilizar o autoclismo depois das 24h.
No Butão Eric sentiu-se inebriado pela atmosfera montanhosa e tentou descobrir como é que um país tão pouco “civilizado” está num dos primeiros lugares do ranking da felicidade. Descobriu que no Butão é mais importante na política a medição do FIB (Felicidade Interna Bruta) do que o PIB.
O Qatar, um dos países mais ricos do mundo, sem impostos e com uma data de regalias (os habitantes são todos ricos), Eric descobriu que o país anda a tentar comprar uma identidade e uma cultura.
Na Islândia, Eric provou a especialidade Tubarão Podre e ia morrendo com a experiência. Eric adorou o espírito cultural e artístico dos islandeses e a capacidade de resistência à escuridão auxiliada pelo álcool.
Na Moldávia Eric descobriu que o melhor que o país tem é a fruta fresca.
Na Tailândia andam todos num estado de relaxamento e as preocupações são postas sempre em último lugar no ranking dos pensamentos. Os problemas são adiados e escondidos.
Na Grã-Bretanha Eric visita a cidade votada como a mais deprimente do país, Slough, e tentou descobrir os resultados deu um Reality Show em que ensinavam técnicas para que os habitantes de Slough fossem mais felizes.
Eric viveu vários anos na Índia devido à sua profissão. Neste livro Eric fala de como a espiritualidade contribui para a felicidade dos indianos e de como a imprevisivelmente atrai todos os anos pessoas de todo o mundo para um país com tanta pobreza.
Por fim, Eric volta para os EUA e tenta analisar como tem contribuído o poder do país para o bem-estar das pessoas.

Links:

Ranking da felicidade pela Universidade de Leicester
: Portugal não está muito bem classificado…

domingo, agosto 24, 2008



Mário Cláudio - Boa Noite Senhor Soares


Estreei-me com o Mário Cláudio e gostei da sua prosa escorreita. Gostei da narrativa do romance, da Lisboa tristonha, pálida e entediante dos anos 30 que M.C parece conhecer tão bem e do mundo afectivo das personagens que falam de si não falando. Há também a vida de família e a vida miserável e silenciosa da personagem feminina.
Conheci M.C na Figueira quando apresentou este livro no dia 3 de Julho no Casino da Figueira da Foz e aí apercebi-me numa conversa animada de um homem de comunicação simples e agradável, que nesta cidade tem leitores fiéis. Dizia então M.C que quis escrever uma história com princípio, meio e fim e de uma Lisboa que conheceu bem.
A história é contada por um rapaz que vem da província, de Escalos de Cima, concelho de Idanha-a-nova - António da Silva Felício para trabalhar como aprendiz de caixeiro num armazém da rua dos Douradores. No mesmo armazém trabalha o senhor Soares, que é tradutor. O senhor Soares é um homem sombrio, esquálido, reservado, sem interesses mundanos e que sobretudo é um poeta. Gradualmente a figura do senhor Soares transforma-se no principal foco de atenção do jovem António, pela sua vida enigmática e do qual saem poucas palavras para além das boas noites dadas aos rapazes do escritório no final da noite. E é esta personagem que vai atravessar a vida deste rapaz simples e dócil, numa química de admiração e de respeito e que já na sua velhice lhe dá nome ao neto - Bernardo. M.C revisita o heterónimo de Fernando Pessoa ou melhor o seu auto designado semi–heterónimo: “O meu semi- heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenho um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa e um constante devaneio. É um semi-heterónino porque não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade.” É do Livro do Desassossego que saem outros nomes para as outras personagens e é com este convite que termino.

Kivi

terça-feira, agosto 19, 2008

O Enigma de Paris – Pablo De Santis

“Paris, 1889, Exposição Universal, os Doze Detectives, os investigadores mais famosos do mundo, reúnem-se”.

O “Enigma de Paris” é um livro para quem gosta de histórias de detectives sem as ferramentas CSI e com os preconceitos presentes da época, como por exemplo, a impossibilidade das mulheres entrarem no mundo da investigação e a associação de um eventual crime com uma parte do cérebro formatada para tal desde o nascimento. A história é contada por um aprendiz (Salvatrio, de origem argentina) que tem um papel fundamental na história, provando que o melhor detective é o que se mantém longe da loucura dada pelo orgulho e arrogância da profissão. Abundam os instrumentos da época como lupas, análise de pegadas e teorias filosóficas sobre o método. Os detectives aspiram ao poder dado pela resolução dos enigmas apenas com recurso ao romantismo da arte da investigação.

O cenário consiste na exposição internacional de Paris de 1889, onde foi apresentada pela primeira vez a torre Eiffel. A ideia é dar ao leitor um cenário confuso e sombrio onde o grupo dos “Doze Detectives” se esforça por manter a credibilidade. Tirando o cenário da exposição, as personagens são todas inventadas e como são muitas acabam por se confundir umas com as outras e serem um pouco inverosímeis e idiotas. Acho que Pablo De Santis gostaria de criar atmosfera à Corto Maltese (versão Detectives em Paris), mas em vez disso arranjou um molho de personagens que depois se viraram todas contra ele exigindo papéis mais interessantes.

O livro de Pablo de Santis não é muito entusiasmante para ler nas férias. O que se salva são as investigações em si e o percurso do aprendiz Salvatrio em busca da verdade. Também foi interessante reviver o ambiente sombrio da época e relembrar como a ciência evoluiu tanto desde aí.


terça-feira, agosto 05, 2008

Os livros que vou levar para férias

Férias sem livros não são férias.

É claro que as férias não são assim tão grandes e há outras coisas para fazer; como sempre não vou conseguir ler todos os livros que levo, mas pelo menos assim tenho escolha.

Amor, Sexo e Tragédia - Simon Goldhill

Porque é que os clássicos são importantes? De que forma é que a nossa civilização se baseia nas civilizações grega e romana, e em que aspectos é que é fundamentalmente diferente? Qual a importância da tradição judaico-cristã?

Recentemente durante uma conversa ouvi uma opinião que me perturbou: alguém disse que hoje a História já não é necessária; que como vivemos numa civilização tecnológica e democrática, não precisamos de História para nada. Eu acho que, muito pelo contrário, é importante compreender o passado para entender alguns dos problemas que enfrentamos hoje, ou a forma como as concepções morais evoluíram ao longo do tempo.

The Fall: The evidence for a Golden Age, 6,000 years of insanity, and the dawning of a new era - Steve Taylor (O Books)

Este livro foi-me recomendado por um professor de Pré-História, que é de opinião que os povos pré-históricos não eram assim tão bárbaros como nós pensamos, e que a civilização, por outro lado, embora nos tenha dado numerosos benefícios, também trouxe consigo flagelos e desigualdades que antes não existiam, tais como a escravatura (da qual só recentemente nos livrámos, e não em todo o mundo), a exploração das mulheres pelos homens e das pessoas sem posses pelas com posses, as religiões opressivas, os tabus em relação ao sexo, a noção de pecado, etc, etc, etc. Este autor pretende demonstrar que as sociedades pré-civilizacionais eram mais igualitárias, e encaravam o sexo, a menstruação, e outros aspectos da nossa biologia de forma mais natural. Parece-me interessantíssimo.

A Mente à Noite: porque e como sonhamos - Andrea Rock (Caleidoscópio)

Geralmente este livro está arrumado na psicologia, mas no outro dia vi-o na secção de "esoterismo" - sem dúvida porque fala de sonhos, e como toda a gente sabe, os sonhos são uma coisa assim a modos que esotérica.

O título original não deixa margem para dúvidas: "The Mind at Night: The New Science of How and Why We Dream" revela que se trata de um livro científico sobre o tema. O que mais me cativou foi que quando o folheei, dei com uma passagem sobre uma experiência em que era pedido a pessoas que nunca tinham jogado tetris que jogassem durante algum tempo e depois a maior parte delas referia ter sonhado com peças de tetris a cair. Como isso já me aconteceu (e não só com jogos de computador - pode acontecer com qualquer actividade à qual o cérebro tem necessidade de se adaptar) fiquei logo fascinada. Espero que seja interessante.


The Olympic Games: The first thousand years - M. I. Finley, H. W. Pleket (Dover Publications)

Enquanto não começam os jogos olímpicos, é sempre interessante saber como eram os jogos olímpicos da Antiguidade. Do que eu sei acho que era uma data de homens todos nus a correr e a jogar boxe. Não devo estar muito enganada.

Ah, e é ilustrado.

The End of Faith - Sam Harris (Free Press)

Sam Harris diz que começou a escrever este livro a 12 de Setembro de 2001. Acho que isso se nota no tom, que não é particularmente subtil. A ideia geral é que a religião em si é um problema para a humanidade, e que o fundamentalismo é só a forma mais extrema desse problema. As 3 grandes religiões monoteístas, em particular, cada uma com o seu monopólio da verdade, jamais poderão ser reconciliadas, funcionando como veículos de transmissão de ódios ancestrais e como obstáculos à paz, ao desenvolvimento e, pelos menos no caso dos países teocráticos, um obstáculo aos mais básicos direitos humanos.

Nos últimos tempos houve vários livros decididamente ateístas, uma vaga que já foi chamada de "novo ateísmo" (o Ian McEwan, numa entrevista ao The New Republic, disse que se passa com a expressão: novo porquê? Sempre houve ateus desde que existem religiões). Simplesmente houve uma vaga de livros bastante bons sobre o tema: A Desilusão de Deus - Richard Dawkins, Quebrar o Feitiço - Daniel C. Dennett, ou Deus não é Grande - Christopher Hitchens são os melhores exemplos, aos quais se junta este O Fim da Fé (também já está traduzido, mas como sempre a edição em português é mais cara, por isso compensa comprar o original).

O que é engraçado é que até agora (ainda só li um capítulo) parece mais um livro sobre neurociência, e não é por acaso. É que o Sam Harris está a fazer um doutoramento sobre as a neurologia das crenças, utilizando imagens de ressonância magnética.

Até agora estou a gostar, acho que vai valer a pena.


E é isto. Ultimamente estou numa fase de ler apenas não-ficção, como se pode ver. Provavelmente um dia destes passa-me.

Ou não.

Boas férias e boas leituras!

quinta-feira, julho 03, 2008

Biblioteca feminista básica

Na semana passada decorreu em Lisboa o terceiro Congresso Feminista português. Sendo que o primeiro foi em 1924 e o segundo em 1928. Há 80 anos portanto. Que este evento tenha passado quase completamente despercebido na imprensa nacional não surpreende. Parece que o feminismo ainda é uma palavra feia, com associações pejorativas, fruto de uma enorme ignorância sobre o tema. É incrível que numa época em que colhemos os benefícios da luta de inúmeras mulheres que desafiaram instituições, família e sociedade, para fazer valer os direitos de todos os seres humanos, não o saibamos reconhecer.
Para desmistificar e informar, aqui vão algumas sugestões para uma biblioteca básica do feminismo.


Introduções curtas



Feminism: a short introduction - Margaret Walters (Oxford University Press)

Estes livrinhos pequeninos costumam fornecer uma introdução breve e imparcial sobre os temas. Infelizmente é quase impossível encontrá-los em Portugal, o melhor é encomendar pela net.


Feminism - June Hannam (Longman)

Este pelo contrário, encontra-se à venda pelo menos na Livraria Leitura. É uma boa introdução histórica, referindo-se às 3 "vagas" mais importantes do feminismo (a do movimento sufragista, a dos anos 70 e a actual).

Tenho pena de não apresentar uma boa introdução ao feminismo em português, mas infelizmente não me lembro de nenhuma. Há um livrinho pequenino de uma francesa, Isabelle Alonso, chamado "Todos os homens são iguais... mesmo as mulheres" que introduz alguns dos temas importantes do feminismo, mas não sei se é uma boa introdução.


Livros essenciais

A Room of One's Own - Virginia Woolf

Já traduzido para português, mas vale a pena ler o original (como todos os livros da Virginia Woolf). Ideia geral: uma mulher, para escrever, precisa no mínimo de ter um quarto para si própria (privacidade) e dinheiro para comprar tinta e papel. No tempo de Woolf muito poucas mulheres podiam dispôr destes meios, ou de tempo para se dedicarem aos seus próprios interesses; nesse aspecto ela era uma privilegiada.


A Sujeição das Mulheres - John Stuart Mill (Almedina)

Brilhante defesa dos direitos das mulheres numa época em que o casamento pouco melhor era para a mulher do que uma escravatura sob outro nome. Stuart Mill argumenta que a sociedade teria imenso a ganhar se metade das pessoas não fosse impedida, à partida, de dar o seu contributo intelectual, político e social. Advoga o direito de voto para as mulheres, a possibilidade destas serem admitidas em carreiras profissionais que na altura lhes estavam vedadas, como a medicina e a advocacia, e alterações na lei do casamento que permitissem por exemplo, que uma mulher casada pudesse dispôr dos seus próprios bens.

Não resisto a aproveitar a oportunidade para recomendar também "Sobre a Liberdade", outro livro importantíssimo do mesmo autor.


O Mito da Beleza - Naomi Wolf (não me lembro qual é a editora portuguesa, mas sei que está traduzido)

Como os padrões de beleza são usados para controlar e desvalorizar as mulheres. Apesar de tudo o que as mulheres conseguiram até hoje (pelo menos na sociedade ocidental), mensagens constantes dos media e da publicidade tentam, desde cedo, incutir-nos a ideia de que os nossos corpos são imperfeitos, e que só comprando este ou aquele produto poderemos sentir-nos bem connosco próprias. Esta insegurança é a base de uma gigantesca indústria de produtos de beleza e emagrecimento.

Indústria essa que aliás, está a começar a explorar também o mercado masculino. Era bom que todos nós tomássemos consciência de um simples facto do marketing: uma pessoa satisfeita consigo própria não dá um grande consumidor. A publicidade visa especificamente criar inseguranças e necessidades onde elas antes não existiam.


Backlash - Susan Faludi (penso que está traduzido para português do Brasil)

O backlash, ou ricochete, é a resposta conservadora ao feminismo. Significa que sempre que são feitos alguns avanços, a direita mais conservadora tenta recuperar terreno e anular algumas dessas conquistas. Susan Faludi reporta-se aos anos 80, mas actualmente também acontecem situações semelhantes. nunca podemos achar que os nossos direitos conquistados estão seguros; pelo contrário, devemos manter-nos sempre alerta contra aqueles que nos querem retirar as nossas liberdades. Isto vale para os direitos das mulheres como vale para a democracia, a liberdade de imprensa, e muitos outros direitos arduamente conquistados.


O Segundo Sexo - Simone de Beauvoir (Quetzal)

Eu sei que este é um dos livros mais marcantes do movimento feminista; no entanto confesso que ainda não o li, porque me custa um bocado ler em francês. Está esgotado há imenso tempo em Portugal, mas acabou de ser agora reeditado o primeiro volume e o segundo sairá ainda este ano, creio eu. Fiquei com a impressão de que a ideia geral é que a mulher é mais um ser construído do que natural (o que não é totalmente correcto do ponto de vista científico, mas é um bom ponto de partida para nos apercebermos de como a sociedade molda as pessoas segundo ideias pré-concebidas).


Livros sobre as mulheres


História das Mulheres no Ocidente, 5 volumes - dir. Georges Duby e Michelle Perrot (Afrontamento)

Não é um livro feminista, mas é uma conquista do feminismo que actualmente se escrevam livros sobre a História das mulheres, geralmente relegadas para segundo plano na História tradicional que se escrevia até ao séc. XX.

Para ser sincera só li o primeiro volume, sobre a Antiguidade, que é a época que acho mais interessante, mas suponho que os restantes volumes sejam de igual qualidade.


Mulher: Uma Geografia Íntima - Natalie Angier (Gradiva)

Uma viagem ao corpo da mulher. Do ponto de vista da biologia, é interessantíssimo. Mas não fala só sobre cromossomas e hormonas; fala também sobre questões mais relevantes para as nossas vidas, por exemplo porque é que todas as mulheres deveriam praticar exercício físico, incluindo musculação, em qualquer idade.

Estou morta que a Gradiva publique o último livro dela, The Canon: The beautiful basics of science, que me parece ser uma boa introdução à ciência para quem venha de outras áreas.


Women, Art, and Society - Whitney Chadwick

Uma História da arte no feminino. A Paula Rego também aparece.






Feminismo islâmico

Uma Mulher Rebelde - Ayaan Hirsi Ali (Presença)
(Infidel, no original)

Muito impressionante. Uma mulher que sofreu na pele a mutilação genital, um casamento forçado, conseguiu pedir asilo na Holanda, e actualmente é

perseguida por fundamentalistas islâmicos pelas suas ideias feministas e contra a opressão da religião e dos costumes tradicionalistas. Vale a pena conhecer a história de coragem desta mulher.


Persépolis - Marjane Satrapi (Jonathan Cape, London)

O filme é bom, o livro é uma delícia. Autobiografia em banda desenhada que retrata com humor a vida quotidiana sob a opressiva teocracia do Irão.








Esta é apenas uma pequena lista, muito pessoal. Mas é um ponto de partida para explorar, afinal, o que é que "estas gajas querem", sem preconceitos.

terça-feira, junho 24, 2008



Inês Pedrosa- A ETERNIDADE E O DESEJO
A protagonista de nome Clara é uma professora cega, que com o seu amigo Sebastião regressa à Bahia, onde em tempos perdeu o amor António e ficou cega. Portugal é um país velho, pejado de relações mesquinhas e intriguistas, que lhe lembram recorrentemente a sua condição de cega. António é também o padre António Vieira e 400 anos depois, Clara percorre os lugares por onde aquele passou, revivendo os seus escritos/ensinamentos/pensamentos e a história da escravatura e do colonialismo português. Clara, em monólogos nesse Brasil vai descrevendo a sua experiência de liberdade e a consciência da eternidade que é mais de tudo, o conhecimento. É na busca do amor, posição que Sebastião não compreende , que encontra Emanuel num misto de misticismo católico, deuses africanos e candomblé, muda a sua vida e abandona a ideia do regresso a Portugal. É o amor sem retorno - desejo e eternidade, que se respira em feliz inconsciência, sem medo de Deus ou de Deuses, sem ontem ou amanhã, indiferente à esperança e ao desespero. É um Brasil físico, do desejo, que liberta a dor comum, da miscigenação. É o amor fino de que fala Padre A.V:
O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: o amor fino não há de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo,ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido, quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino. Este livro aproxima-nos de Vieira, que foi um grande escritor, um orador, um pioneiro dos direitos humanos, um embaixador, um mediador, que mesmo mal compreendido e sem conseguir mudar os costumes, tinha a consciência da verdade, a eternidade e por isso não desistia. Apetece-me deixar aqui esta descrição de Vieira sobre o choro:
Há chorar com lágrimas, chorar sem lágrimas e chorar com riso: chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suma e excessiva. Inês Pedrosa escreve de novo e excelentemente sobre o amor e com muita sensibilidade.


Rio da Flores - Miguel Sousa Tavares

M.S.T está de parabéns, fez um exaustivo trabalho de pesquisa histórica sobre 30 anos da primeira metade do século XX e deixou-nos um romance que se lê com entusiasmo e que apesar das suas 608 páginas não nos deixa desviar a atenção. Questiono assim a critica insidiosa e a desvalorização feitas pelos seus detractores.
A ideia principal que percorre o livro é a liberdade perdida e é a história de dois irmãos com posturas ideológicas diferentes e que ao longo das suas vidas e dos acontecimentos históricos de uma Europa a rubro ( a ascensão de Hitler e a guerra civil de Espanha) mantêm as suas convicções sem desvios na sua maneira de estar pessoal, social e politica. O espaço é a quinta Valmont no Alentejo e a família de latifundiários - os Ribera Flores. O amor à terra é atravessado por diversas crises, quer pessoais quer da história politica. O país vive a desordem da 1ª Republica a que se segue a instauração do Estado Novo com a repressão da ditadura e um modo de vida mesquinho e atrasado e uma igreja que se socorre de Fátima e que canta nas suas novenas “Enquanto houver portugueses tu serás o meu amor”. Numa segunda fase o cenário passará a ser o Brasil com a viagem do filho liberal no dirigível Zepelim construído por um conde alemão.

quinta-feira, maio 08, 2008



A Conspiração Contra a América – Philip Roth

449 páginas lidas numa semana, porque é difícil parar de ler Philip Roth (pela preocupação com as personagens e porque se pararmos é complicado retomar a densidade da história). “A Conspiração Contra A América” relata uma realidade alternativa, sobre como seria a vida dos judeus nos EUA se Charles Lindbergh, um simpatizante do fascismo, vencesse Franklin Roosevelt nas eleições presidenciais de 1940. É caso para dizer que “se não aconteceu podia ter acontecido”, porque a capacidade inventiva de historiador de Roth é extraordinária. Seria fácil resvalar por um caminho mais fácil com uma imitação da situação dos judeus na Europa (não é preciso muita imaginação para voltar a escrever sobre as horríveis cenas a que os judeus se submeteram), mas não foi isso que Roth fez nem nada que se pareça. Roth criou uma situação perfeitamente verosímil em que os políticos agem como políticos, os americanos agem como americanos e as crianças agem como crianças. A história desenrola-se à volta da situação da família Roth, sob a perspectiva do assustadiço filho mais novo, Philip. É muito interessante a forma como lida com o primo Alvin, que entretanto resolve rebelar-se contra o governo de Lindbergh e combater contra Hitler pelo Canadá. Outras personagens muito importantes são o irmão Sandy, que leva uma “lavagem cerebral” pró-Lindbergh, o vizinho alheado Seldom, a traidora tia Evelyn e o jornalista anti-Lindbergh Walter Winchell. Passamos o livro muito preocupados com a família Roth, sempre à espera que o pior aconteça. Tememos que o pai perda as estribeiras e sofra por isso, que a mãe não repare no que está a acontecer aos seus filhos e que Sandy não acorde para a realidade dos factos. Obviamente que a maior preocupação é com a personagem Philip, que vive absolutamente confuso e assustado com tudo o que está a acontecer e sem conseguir encontrar o conforto nos adultos que o rodeiam.
“A Conspiração Contra a América” é assim uma história extraordinária contada por um dos melhores escritores da actualidade (para não dizer o melhor).

sábado, abril 26, 2008

Freakonomics – O Estranho Mundo da Economia -Steven Levitt e Stephen Dubner

Freakonomics trata-se de um livro muitíssimo interessante sobre alguns estudos sobre questões tão diversas como os nomes que estão na moda à batota que os jogadores de Sumo fazem sem ninguém dar por isso. Steven Levitt e Stephen Dubner consideram-se "mega"-alternativos nos estudos que fazem, procurando entender os incentivos e as escolhas que as pessoas fazem e determinar padrões escondidos nos mais variados exemplos. Acaba por ser assim um livro de filosofia, ao reflectir sobre os moldes de organização de determinados microambientes sociais. O livro cativa os leitores através de premissas engraçadas como a razão porque os traficantes de droga ainda não saíram de casa dos pais ou como o Klu Klux Klan perdeu credibilidade quando alguém o colocou no papel do arqui-inimigo do Super-Homem. Os estudos são muito interessantes desmistificando algumas crenças populares de causa-efeito através da estatística e tentando explicar as causas reais escondidas de alguns assuntos tão polémicos como a diminuição da criminalidade a partir da legalização do aborto. Imprescindível.

sábado, março 22, 2008





Harry Potter e os Talismãs da Morte - J. K. Rowling

Este é o sétimo e último livro da série Harry Potter. Não li os sete livros, comecei a ler a partir do 3º, quando as personagens já eram um pouco mais graúdas. E viciei-me como tantas outras pessoas.
A história tem um enredo poderoso e algo complexo. Falando no geral sobre a série, há algo que não entendo. É certo que estes livros estão repletos de fantasia, os heróis são crianças, é a velha história da luta entre o bem e o mal, mas eu considero o universo criado, e muito bem, extremamente complexo para crianças. Falamos de um mundo de bruxos e bruxas totalmente diferente da realidade. E ler que estes livros são indicados para toda a família faz-me confusão. São muitas leis, ministérios, regras, disciplinas, linguagens, desportos, gerações e sei lá que mais, que em nada de assemelham ao mundo real, e por este motivo, não imagino (gastei a minha imaginação) uma criança a absorver e conjugar todas estas informações. Mas nem é so isso. Os primeiros livros que li tinham uma particularidade que me agradou bastante face aos meus normais hábitos de leitura, eram divertidos! Era uma leitura agradável que por vezes nos fazia rir. Com o avançar da série isso mudou radicalmente. Tornaram-se histórias deprimentes e melancólicas de chorar baba e ranho. E não gosto de imaginar crianças a " viajarem" para esse mundo. Desaconselho.
Quanto a este H.P. e os Talimãs da Morte, na minha opinião, não devia ter sido o último. Há demasiada informação despejada pela autora de forma a que o leitor consiga entender o fim. O ritmo, o desenvolvimento da intriga é de extremos. Durante uma parte do livro as personagens não sabem o que andam a fazer e de repente, descobrem as soluções todas! Principalmente Harry Potter, o herói que sempre precisou de ajuda. É das características desta série que achei mais interessante, quem ouve falar de Harry Potter e não conhece a história não imagina que este herói durante toda a série nada fez sem ajuda. Neste livro, segue uma missão numa ignorância completa e do nada passa a saber tudo. Deveria haver um outro livro para a autora nos dar tempo para assimilar as descobertas última hora. No entanto, para adultos, é sem dúvida uma série cativante e este último volume não foge à regra.

quarta-feira, março 12, 2008


“Hunting and Gathering”–Anna Gavalda

Em Português traduzido como “Enfim Juntos” (5 euros mais caro do que a versão inglesa), este livro de Anna Gavalda foi recentemente transformado em filme francês com a Audrey Tautou, filme que pouca relevância teve nas salas de cinema. “Hunting and Gathering” tem quase 500 páginas e pouquíssima história, nunca imaginaria que fizessem um filme a partir daqui. O tema do livro são as personagens e como se entrelaçam uma com as outras. Em primeiro lugar temos Camille Fauque, uma jovem de percurso conturbado que se tenta reconciliar com a sua maior paixão, a pintura. A sua fragilidade física e emocional faz com que viva num mundo à parte, acabando por ser salva pela caricata personagem de Philibert, um aristocrata inadaptado e rejeitado pela família que se refugia na solidão dos livros de história. Philibert partilha a casa de Paris com Franck, um cozinheiro bruto como as portas mas 100% dependente da presença constante de Philibert. Franck foi criado pela avó, Paullete, que não se conforma com o facto de ter de terminar a vida numa horrenda casa de repouso. Pela descrição que acabei de dar acho que não consigo convencer ninguém a ler este livro. A verdade é que se trata de um livro honesto e realista sobre o íntimo do ser humano e sobre o modo como se faz o relacionamento com o próximo e com a sociedade em redor. Acho que não existem muitos escritores que consigam aprofundar tão bem personagens tão diferentes como Camille, Philibert, Frank e Paullete. Interessante e comovente.

terça-feira, fevereiro 05, 2008


Expiação - Ian McEwan

Antes da estreia do filme "Expiação" tinha que me propor à leitura do livro que o inspirou.
É um romance dramático em que a personagem principal narra um acontecimento da sua infância que vem determinar o seu futuro, vivido para expiar um erro cujas consequências não previu. Está dividido em três partes que correspondem a três períodos da vida da narradora, cujo poder imaginativo na infância faz descobrir a escritora futura que vai ser. A terceira parte do romance é passado num hospital londrino que recebe os ingleses feridos dos bombardeiros alemães numa França devastada. Esta parte é magistral pelo rigor, pela cor e pelo movimento incessante e metronómico da personagem principal que se torna enfermeira.
Não conheço nenhum livro anterior de McEwan, mas sugiro que foi neste que explorou o romance psicológico. Apesar da história e dos seus contextos serem apelativos, são as personagens que marcam pelos sentimentos fortes. É um romance muito documentado, inteligente na forma, escrito com muita sensibilidade e além de tudo físico porque as suas personagens nos ficam próximas.

KIVI

quarta-feira, janeiro 23, 2008



A História de um Sonho - Arthur Schnitzler

Arthur Schnitzler é um escritor austríaco frequentemente comparado a Sigmund Freud, devido ao seu interesse pela psicologia/psiquiatria. O livro “História de Um Sonho” foi escrito em 1926 sendo conhecido como o livro que deu origem ao filme “Eyes Wide Shut” de Stanley Kubrick. Schnitzler escreve sobre um casal, Albertine e Fridolin, que numa troca de confidências prometem ser honestos e exporem-se relativamente aos seus desejos mais íntimos e sonhos mais secretos. Fridolin acaba por entender que afinal todos os desejos da mulher dos quais ele não faça parte não contribuem para a segurança do relacionamento, sentindo necessidade de dar azo ao seu direito de desejar outras mulheres. Fridolin acaba por ir parar a uma orgia sem ser convidado, orgia essa pertencente a uma organização secreta que não trata muito bem os intrusos (e quem não se lembra da festa do filme “Eyes Wide Shut” e daquelas notas de piano). A noite de Fridolin confunde-se com o sonho de Albertine pelo seu erotismo e “danos colaterais” na relação. O livro é muito interessante, e um pouco diferente do filme. Enquanto que o filme nos dá aquilo que o livro não nos pode dar de forma muito intensa, como a banda sonora, as cores, as pausas e os silêncios incomodativos, o livro oferece uma maior percepção da influência dos sonhos e desejos no relacionamento do casal.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

A Vida e o Tempo de Michael K - J.M. COETZEE

Vencedor Booker Prize e Prix Étranger Femina

Este livro de J. M Coetzee não nos fala sobre uma história ou sobre um enredo, mas sobre a vida de uma personagem e da sua adaptação a um árido cenário. Michael K é um indivíduo que não está interessado nem compreende o que sucede à sua volta (guerra civil na África do Sul), querendo apenas viver a sua vida em paz e em liberdade. Michael K traçou objectivos simples para a sua vida e para as suas capacidades, como levar a mãe à terra natal e viver do que a terra lhe tem para oferecer. Não quer que cuidem dele apesar de ser doente e frágil, não quer trabalhar para um objectivo incompreensível nem interagir com as outras pessoas. Michael K dispensa a caridade e não quer contar a sua história, apenas quer existir à sua maneira. Ao longo do livro observamos Michael K e temos pena dele (exactamente o que a personagem nunca iria querer), pensamos que alguém o deveria ajudar, que alguém deveria reparar na sua incapacidade para estar num campo de trabalho e no facto de nunca vir a constituir uma ameaça numa guerra alheia. Pensamos que poderiam arranjar-lhe uma casa com uma horta e deixá-lo em paz. Continuamos a observar Michael e o definhamento do seu corpo pela fome e pela doença, mantendo-se sempre a obstinação de chegar a um determinado lugar sem se poder defender. Vemos Michael a ser roubado, enganado e acusado de algo que não fez. Vemos Michael a tentar escapar a todos os locais em que não pode exercer o seu direito de escolha. Quando a personagem é internada porque alguém finalmente repara no seu débil corpo e quando o tratamento e alimentação são disponibilizados, vemos Michael a recusar-se a ser ajudado e a fugir (na incredulidade do médico que o tenta compreender). Michael não é nenhuma personagem especial que mereça particular atenção, é apenas alguém que aspira a liberdade.
O livro é interessante pela ideia que deixa ao leitor e pela escrita de Coetzee, com a sua capacidade em descrever o óbvio da maneira mais simples.

“Eu sou mais parecido com uma minhoca, pensou. Que é também uma espécie de jardineiro. Ou uma toupeira, também um jardineiro, que não conta histórias, porque vive no silêncio. Mas quem encontra uma toupeira ou uma minhoca num chão de cimento?”.

quinta-feira, janeiro 03, 2008



A nova Byblos

No fim-de-semana passada tivemos a oportunidade de conhecer a nova Byblos, logo a seguir à visita habitual da FNAC da baixa. A Byblos não fica nas Amoreiras, fica na rua de trás (tem de se atravessar a estrada).
O que tem a Byblos afinal?
Ao entrarmos na Byblos deparamo-nos com uma interessante zona de revistas, um bom começo de 4000 metros quadrados dedicados à literatura. Ao percorrer os dois andares entendi que afinal o espaço não é assim tão grande como eu estava à espera, não sei porquê aconteceu-me idealizar um espaço muito maior. Nas paredes encontramos a frase "O paraíso poderá ser uma espécie de livraria." Ao fim do corredor encontramos uma zona para crianças com um barco. Aliás, toda a livraria é family-friendly. Há espaço suficiente para andar com carrinhos de bebé, há uma pequena sala onde alguém conta a história de "O Pedro e o Lobo" para um conjunto de crianças. Depois comecei a reparar nos aspectos menos agradáveis. Talvez seja por estar ainda no início, mas nota-se uma grande falta de títulos considerados básicos no mundo da literatura. Alguns autores estão muito bem representados, com todos os seus livros , enquanto que outros estão muito esquecidos. Mesmo alguns livros que neste momento são best-sellers estão em falta (o "Expiação" de Ian McEwan estava esgotado). Alguns livros não estão bem arrumados (o "Beatles" de Lars Saabye Christensen está na secção de música, e não é um livro sobre música), enquanto que outros parece que estão arrumados em todo lado (como o livro do Ricardo Araújo Pereira). Também havia qualquer coisa que me surpreendeu com o livro "As Horas" de Michael Cunningham, mas já não me lembro o que era. Gosto de mesas dedicadas a um autor com todos os seus livros, mas irrita-me o desperdício de uma mesa com imensos exemplares do mesmo livro (O Rio das Flores). Também fiquei triste ao verificar que na Byblos também se vendem CD's (em número ridículo, mais valia não terem nada), DVD's, jogos de computador... Se eu fosse um livro sentir-me-ia tremendamente ofendido. Também penso que os peluches são desnecessários, mas se calhar é apenas a minha opinião. Se calhar a maioria das pessoas gosta de ver outras coisas sem ser os livros, para que a saturação pela loja não ocorra tão depressa. Não vi ninguém a utilizar os computadores (sem ser por mera curiosidade), acho que não vão ser muito úteis. Penso que vai ser sempre mais fácil perguntar ao funcionário, que ainda por cima diz logo onde se encontra o livro (nem todas as mesas estão identificadas com códigos de localização e haja paciência para andar à procura). Penso que seria mais útil se nos computadores fosse possível consultar o "universo" à volta do livro (sobre o autor, críticas, etc).
Espero que a Byblos seja um sucesso (como espero para todas as livrarias), mas temo que quem realmente se interesse pelos livros continue pela FNAC (preços mais convidativos, maior diversidade, menos destaque aos best-sellers). Quem se interessa apenas medianamente pelos livros se calhar acabará por optar pelas livrarias dentro dos centros comerciais, pela maior diversidade de lojas.