domingo, agosto 24, 2008



Mário Cláudio - Boa Noite Senhor Soares


Estreei-me com o Mário Cláudio e gostei da sua prosa escorreita. Gostei da narrativa do romance, da Lisboa tristonha, pálida e entediante dos anos 30 que M.C parece conhecer tão bem e do mundo afectivo das personagens que falam de si não falando. Há também a vida de família e a vida miserável e silenciosa da personagem feminina.
Conheci M.C na Figueira quando apresentou este livro no dia 3 de Julho no Casino da Figueira da Foz e aí apercebi-me numa conversa animada de um homem de comunicação simples e agradável, que nesta cidade tem leitores fiéis. Dizia então M.C que quis escrever uma história com princípio, meio e fim e de uma Lisboa que conheceu bem.
A história é contada por um rapaz que vem da província, de Escalos de Cima, concelho de Idanha-a-nova - António da Silva Felício para trabalhar como aprendiz de caixeiro num armazém da rua dos Douradores. No mesmo armazém trabalha o senhor Soares, que é tradutor. O senhor Soares é um homem sombrio, esquálido, reservado, sem interesses mundanos e que sobretudo é um poeta. Gradualmente a figura do senhor Soares transforma-se no principal foco de atenção do jovem António, pela sua vida enigmática e do qual saem poucas palavras para além das boas noites dadas aos rapazes do escritório no final da noite. E é esta personagem que vai atravessar a vida deste rapaz simples e dócil, numa química de admiração e de respeito e que já na sua velhice lhe dá nome ao neto - Bernardo. M.C revisita o heterónimo de Fernando Pessoa ou melhor o seu auto designado semi–heterónimo: “O meu semi- heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenho um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa e um constante devaneio. É um semi-heterónino porque não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade.” É do Livro do Desassossego que saem outros nomes para as outras personagens e é com este convite que termino.

Kivi

terça-feira, agosto 19, 2008

O Enigma de Paris – Pablo De Santis

“Paris, 1889, Exposição Universal, os Doze Detectives, os investigadores mais famosos do mundo, reúnem-se”.

O “Enigma de Paris” é um livro para quem gosta de histórias de detectives sem as ferramentas CSI e com os preconceitos presentes da época, como por exemplo, a impossibilidade das mulheres entrarem no mundo da investigação e a associação de um eventual crime com uma parte do cérebro formatada para tal desde o nascimento. A história é contada por um aprendiz (Salvatrio, de origem argentina) que tem um papel fundamental na história, provando que o melhor detective é o que se mantém longe da loucura dada pelo orgulho e arrogância da profissão. Abundam os instrumentos da época como lupas, análise de pegadas e teorias filosóficas sobre o método. Os detectives aspiram ao poder dado pela resolução dos enigmas apenas com recurso ao romantismo da arte da investigação.

O cenário consiste na exposição internacional de Paris de 1889, onde foi apresentada pela primeira vez a torre Eiffel. A ideia é dar ao leitor um cenário confuso e sombrio onde o grupo dos “Doze Detectives” se esforça por manter a credibilidade. Tirando o cenário da exposição, as personagens são todas inventadas e como são muitas acabam por se confundir umas com as outras e serem um pouco inverosímeis e idiotas. Acho que Pablo De Santis gostaria de criar atmosfera à Corto Maltese (versão Detectives em Paris), mas em vez disso arranjou um molho de personagens que depois se viraram todas contra ele exigindo papéis mais interessantes.

O livro de Pablo de Santis não é muito entusiasmante para ler nas férias. O que se salva são as investigações em si e o percurso do aprendiz Salvatrio em busca da verdade. Também foi interessante reviver o ambiente sombrio da época e relembrar como a ciência evoluiu tanto desde aí.


terça-feira, agosto 05, 2008

Os livros que vou levar para férias

Férias sem livros não são férias.

É claro que as férias não são assim tão grandes e há outras coisas para fazer; como sempre não vou conseguir ler todos os livros que levo, mas pelo menos assim tenho escolha.

Amor, Sexo e Tragédia - Simon Goldhill

Porque é que os clássicos são importantes? De que forma é que a nossa civilização se baseia nas civilizações grega e romana, e em que aspectos é que é fundamentalmente diferente? Qual a importância da tradição judaico-cristã?

Recentemente durante uma conversa ouvi uma opinião que me perturbou: alguém disse que hoje a História já não é necessária; que como vivemos numa civilização tecnológica e democrática, não precisamos de História para nada. Eu acho que, muito pelo contrário, é importante compreender o passado para entender alguns dos problemas que enfrentamos hoje, ou a forma como as concepções morais evoluíram ao longo do tempo.

The Fall: The evidence for a Golden Age, 6,000 years of insanity, and the dawning of a new era - Steve Taylor (O Books)

Este livro foi-me recomendado por um professor de Pré-História, que é de opinião que os povos pré-históricos não eram assim tão bárbaros como nós pensamos, e que a civilização, por outro lado, embora nos tenha dado numerosos benefícios, também trouxe consigo flagelos e desigualdades que antes não existiam, tais como a escravatura (da qual só recentemente nos livrámos, e não em todo o mundo), a exploração das mulheres pelos homens e das pessoas sem posses pelas com posses, as religiões opressivas, os tabus em relação ao sexo, a noção de pecado, etc, etc, etc. Este autor pretende demonstrar que as sociedades pré-civilizacionais eram mais igualitárias, e encaravam o sexo, a menstruação, e outros aspectos da nossa biologia de forma mais natural. Parece-me interessantíssimo.

A Mente à Noite: porque e como sonhamos - Andrea Rock (Caleidoscópio)

Geralmente este livro está arrumado na psicologia, mas no outro dia vi-o na secção de "esoterismo" - sem dúvida porque fala de sonhos, e como toda a gente sabe, os sonhos são uma coisa assim a modos que esotérica.

O título original não deixa margem para dúvidas: "The Mind at Night: The New Science of How and Why We Dream" revela que se trata de um livro científico sobre o tema. O que mais me cativou foi que quando o folheei, dei com uma passagem sobre uma experiência em que era pedido a pessoas que nunca tinham jogado tetris que jogassem durante algum tempo e depois a maior parte delas referia ter sonhado com peças de tetris a cair. Como isso já me aconteceu (e não só com jogos de computador - pode acontecer com qualquer actividade à qual o cérebro tem necessidade de se adaptar) fiquei logo fascinada. Espero que seja interessante.


The Olympic Games: The first thousand years - M. I. Finley, H. W. Pleket (Dover Publications)

Enquanto não começam os jogos olímpicos, é sempre interessante saber como eram os jogos olímpicos da Antiguidade. Do que eu sei acho que era uma data de homens todos nus a correr e a jogar boxe. Não devo estar muito enganada.

Ah, e é ilustrado.

The End of Faith - Sam Harris (Free Press)

Sam Harris diz que começou a escrever este livro a 12 de Setembro de 2001. Acho que isso se nota no tom, que não é particularmente subtil. A ideia geral é que a religião em si é um problema para a humanidade, e que o fundamentalismo é só a forma mais extrema desse problema. As 3 grandes religiões monoteístas, em particular, cada uma com o seu monopólio da verdade, jamais poderão ser reconciliadas, funcionando como veículos de transmissão de ódios ancestrais e como obstáculos à paz, ao desenvolvimento e, pelos menos no caso dos países teocráticos, um obstáculo aos mais básicos direitos humanos.

Nos últimos tempos houve vários livros decididamente ateístas, uma vaga que já foi chamada de "novo ateísmo" (o Ian McEwan, numa entrevista ao The New Republic, disse que se passa com a expressão: novo porquê? Sempre houve ateus desde que existem religiões). Simplesmente houve uma vaga de livros bastante bons sobre o tema: A Desilusão de Deus - Richard Dawkins, Quebrar o Feitiço - Daniel C. Dennett, ou Deus não é Grande - Christopher Hitchens são os melhores exemplos, aos quais se junta este O Fim da Fé (também já está traduzido, mas como sempre a edição em português é mais cara, por isso compensa comprar o original).

O que é engraçado é que até agora (ainda só li um capítulo) parece mais um livro sobre neurociência, e não é por acaso. É que o Sam Harris está a fazer um doutoramento sobre as a neurologia das crenças, utilizando imagens de ressonância magnética.

Até agora estou a gostar, acho que vai valer a pena.


E é isto. Ultimamente estou numa fase de ler apenas não-ficção, como se pode ver. Provavelmente um dia destes passa-me.

Ou não.

Boas férias e boas leituras!