terça-feira, junho 24, 2008



Inês Pedrosa- A ETERNIDADE E O DESEJO
A protagonista de nome Clara é uma professora cega, que com o seu amigo Sebastião regressa à Bahia, onde em tempos perdeu o amor António e ficou cega. Portugal é um país velho, pejado de relações mesquinhas e intriguistas, que lhe lembram recorrentemente a sua condição de cega. António é também o padre António Vieira e 400 anos depois, Clara percorre os lugares por onde aquele passou, revivendo os seus escritos/ensinamentos/pensamentos e a história da escravatura e do colonialismo português. Clara, em monólogos nesse Brasil vai descrevendo a sua experiência de liberdade e a consciência da eternidade que é mais de tudo, o conhecimento. É na busca do amor, posição que Sebastião não compreende , que encontra Emanuel num misto de misticismo católico, deuses africanos e candomblé, muda a sua vida e abandona a ideia do regresso a Portugal. É o amor sem retorno - desejo e eternidade, que se respira em feliz inconsciência, sem medo de Deus ou de Deuses, sem ontem ou amanhã, indiferente à esperança e ao desespero. É um Brasil físico, do desejo, que liberta a dor comum, da miscigenação. É o amor fino de que fala Padre A.V:
O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: o amor fino não há de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo; amo,ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido, quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino. Este livro aproxima-nos de Vieira, que foi um grande escritor, um orador, um pioneiro dos direitos humanos, um embaixador, um mediador, que mesmo mal compreendido e sem conseguir mudar os costumes, tinha a consciência da verdade, a eternidade e por isso não desistia. Apetece-me deixar aqui esta descrição de Vieira sobre o choro:
Há chorar com lágrimas, chorar sem lágrimas e chorar com riso: chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suma e excessiva. Inês Pedrosa escreve de novo e excelentemente sobre o amor e com muita sensibilidade.


Rio da Flores - Miguel Sousa Tavares

M.S.T está de parabéns, fez um exaustivo trabalho de pesquisa histórica sobre 30 anos da primeira metade do século XX e deixou-nos um romance que se lê com entusiasmo e que apesar das suas 608 páginas não nos deixa desviar a atenção. Questiono assim a critica insidiosa e a desvalorização feitas pelos seus detractores.
A ideia principal que percorre o livro é a liberdade perdida e é a história de dois irmãos com posturas ideológicas diferentes e que ao longo das suas vidas e dos acontecimentos históricos de uma Europa a rubro ( a ascensão de Hitler e a guerra civil de Espanha) mantêm as suas convicções sem desvios na sua maneira de estar pessoal, social e politica. O espaço é a quinta Valmont no Alentejo e a família de latifundiários - os Ribera Flores. O amor à terra é atravessado por diversas crises, quer pessoais quer da história politica. O país vive a desordem da 1ª Republica a que se segue a instauração do Estado Novo com a repressão da ditadura e um modo de vida mesquinho e atrasado e uma igreja que se socorre de Fátima e que canta nas suas novenas “Enquanto houver portugueses tu serás o meu amor”. Numa segunda fase o cenário passará a ser o Brasil com a viagem do filho liberal no dirigível Zepelim construído por um conde alemão.