quinta-feira, setembro 21, 2006



O Império do Fast Food - Eric Schlosser - Quetzal Editores

Indispensável para quem trabalha na indústria das carnes e na restauração, este livro descreve o desenvolvimento do das cadeias fast-food na sociedade americana e subsequente importação para o resto do mundo. Explica como foram desenvolvidos os produtos, desde a história dos irmãos MacDonalds à ideia dos arcos dourados, desde donde vem a carne aos ingredientes secretos que dão aquele sabor típico das batatas fritas. Mas o mais interessante do livro é que nos mostra exactamente como se forma a sociedade do consumo e como as pessoas são manipuladas de forma a acharem indispensáveis estas novas formas de alimentação. Claro que toda a gente sabe que a evolução cultural é altamente condicionada pelos valores económicos, mas é caso para dizer que andamos todos a dormir quando não nos apercebemos aonde acaba a cultura e começa os valores do consumo.
Como exemplo, dou aqui o conceito do Happy Meal, o produto com menos margem de lucro da cadeia MacDonalds, num ponto de vista que antes nunca me tinha ocorrido. Temos tendência a gostar de produtos que consumimos na infância e que inconscientemente associamos aos momentos felizes de brincadeira. Mais ou menos como aquela conversa de “os cartoons da minha geração é que eram bons”. Na minha geração, lembro-me do “Caprisumo”, naqueles pacotes prateados e moles. Nos tempos de hoje, cada vez que o “Caprisumo” vem à baila numa conversa, acabo sempre por ouvir “oh, esse sumo é tão bom, era o sumo que a minha mãe levara para a praia…” Como o chocolate “Jubileu”, o “Cerelac”, os “Sugos”, as super pastinhas “Gorila”, o “Suchard Express”, sentirei sempre “respeito” por esses produtos, e de vez em quando tento comprar para matar saudades. Com esta idade ainda não fui capaz de deitar fora certos brindes coleccionáveis, como as diferentes tampas metálicas da Nesquick “sabe mais a chocolate” com o desenho do canguru com ar de estúpido. É assustador pensar que toda a estratégia do Happy Meal (em que os miúdos associam a comida a um coisa muito agradável, o brinquedo coleccionável) insere-se na estratégia de criar adultos que gostem verdadeiramente do sabor daquela porcaria de comida e que sintam prazer em frequentar esses espaços com regularidade. Aquilo que antes significava uma refeição prática e barata em momentos de aperto monetário vai-se transformando pouco a pouco numa herança cultural. Na indústria do Fast-Food tudo é controlado, estudado e nada é ao acaso. Depois de ler o livro fico com pena dos americanos (quase me esquecendo que provavelmente seguiremos pelo mesmo caminho), como por exemplo, pelo facto das escolas serem praticamente obrigadas a aceitar patrocínios de marcas do género da Coca-cola para se sustentarem, com a obrigatoriedade de publicitar o produto e incentivar o seu consumo no espaço escolar.

Acaba por ser um livro muito exaustivo, de modo que só tem interesse para quem tenha mesmo muita curiosidade no assunto ou para quem trabalha na área.

Never Let Me Go – Nunca me deixes - Kazuo Ishiguro

Nomeado para o Man Booker Prize 2005, este livro aborda a vida de 3 amigos (Kath, Ruth e Tommy) em três secções, a infância, a adolescência e um pouco da vida adulta nos seus empregos. O narrador é uma destas personagens (Kath), e durante todo o livro só temos acesso à sua perspectiva.
Na primeira parte do livro o leitor não sabe o que têm estes três amigos de diferente em relação ao resto das pessoas, mas percebe que algo está errado e que existem muitos segredos que indiciam algo que não muito simpático.
O livro é um bocadinho maçador, no aspecto de ser muito pormenorizado em relação ao dia-a-dia das crianças, e da importância que Kath dá a acontecimentos triviais que se passam na escola. Este tipo de narrativa acaba por ser importante para o leitor conseguir entender as atitudes e as escolhas de cada uma das personagens no contexto em que socialmente foram criados.
Depois do segredo ser desvendado, o leitor nunca terá acesso às questões práticas da trama, porque o essencial da história está nas relações entre as três personagens que se estabelece dentro de um contexto educacional tão específico. As personagens não descobrem o segredo de modo repentino, crescem como se sempre o soubessem e sempre o aceitassem, de modo que acaba por ser um exercício muito interessante sobre condicionamento humano, perfeitamente possível de acontecer, metaforizando situações equivalentes que muitas comissões de ética temem.

SPOILER / CONTÉM DADOS QUE NÃO DEVE SABER SE QUISER LER O LIVRO

Ok, eu digo, o segredo de que falo que só se descobre a metade do livro é mais ou menos equivalente ao segredo do filme “A Ilha”. Uma quantidade apreciável de seres humanos é clonada para que em adultos se tornem reservatórios de órgãos disponíveis para o resto da população. Tudo é realizado um pouco às escondidas, porque apesar de toda a gente saber de onde vem os órgãos ninguém quer pensar no assunto, uma vez a partir do momento que se adoptou este método a esperança média de vida da população aumentou substancialmente. Se calhar equivale ao mesmo sentimento que faz com que muitas pessoas procurarem órgãos no mercado negro (mesmo sabendo de onde vêm), mas ampliado para toda a população. Ninguém sabe quantos centros de criação de clones existem, nem onde se localizam. Um deles (onde cresceram as personagens) tem uma característica especial. Esforça-se por dar uma educação exigente aos clones e estimula-os artisticamente, recolhendo as suas melhores obras de arte como prova de que os clones têm alma e em nada diferem da restante população quando se lhes é dada o mesmo tipo de oportunidades (para justificar o tal esforço na sua educação). Os clones são condicionados a achar que a sua missão no mundo a de doarem órgãos, com um sentimento de submissão que lhes impede de fugir e de tentar ter uma vida “normal”. Quando chegam a adultos podem iniciar a sua “carreira” de “toca a tirar os rins”, que consiste em cirurgias sucessivas com intervalos para a recuperação, ou então servem de “enfermeiros” aos que doam. Felizmente os pormenores mórbidos não são descritos, mas percebe-se que não vivem muito tempo. Estranhamente (ou não) a maioria deles prefere iniciar as doações o mais rapidamente possível e evitar a “carreira” de enfermeiros, porque afinal, foi para isso que foram concebidos, e a vida não teria sentido se não sentissem orgulho de o fazer.
Assim, as personagens crescem sem pais e acabam por ser pais umas das outras, sentir a necessidade de se inter-controlarem e inter-educarem. Por outro lado, como são educados protegidos do mundo exterior, e nunca têm necessidade de usar os piores defeitos que o ser humano tem para subir na vida, as personagens, após passarem pela crueldade típica da infância, tornam-se pessoas muito inocentes, compreensivas, pensativas, justas e passivas.

No final achei que o livro não constitui uma critica ao progresso científico que se desenvolve a uma velocidade que não permite a reflexão moral da sociedade sobre o mesmo, mas apenas um exercício sobre condicionalismo de um grupo de pessoas educadas de determinada maneira, aproveitando um possível e polémico contexto, o que coloca o livro na prateleira da Sociologia e não da Ficção Científica.
Kafka on the Shore (II) - Haruki Murakami - casa das letras/editorial notícias

Este livro engana muito (best seller com uma data de prémios). Colocam um livro destes em destaque em todas as livrarias com o título “Kafka à Beira Mar” e com um gatinho preto com ar simpático na capa… Parece que vai sair dali uma história bonita sobre gatinhos lindos e com uma moral daquelas que nos faz sentir pessoas melhores.
Mas não! A Pandora tinha razão!
Não é nada disso, é um livro Japonês belo, com uma sonoridade muito própria (não se parece com nada do que eu tenha lido) e com uma temática invulgar.

Se pensar um bocadinho consigo dizer já aqui vinte pessoas que conheço que não podem de maneira nenhuma ler este livro. Poderiam ter pesadelos, indisposições e indigestões. Também é um livro enorme, nunca mais acaba, é muito lento… É necessário ter muita paciência e persistência. Quando começava um novo capítulo eu só pensava “agora é que vai ser, agora é que vai acontecer alguma coisa de interessante”. Só mais para o fim do livro é que começamos a entender todo o sentido. E aí é que talvez valha a pena para quem goste do género. “Qual género?” Nem sei explicar muito bem, não é fácil. Talvez seja sobre o destino, sobre a alma, sobre a passagem da vida e da morte e sobre a intemporalidade.
O livro passa-se com capítulos alternados de duas personagens, um jovem que adora ler e que foge de casa (Kafka) e um velho que devido a um acidente na infância do género “X-Files” fica meio tontinho (Nakata). Mais para o fim do livro percebe-se a ligação entre estas duas personagens. O jovem tem de viver com uma espécie de “maldição” e com um amor impossível e vai ter de encontrar o seu caminho. O velho vai ter de executar uma tarefa importantíssima para que a ordem do universo se restabeleça.

Quando começamos a ler julgamos que é uma história possível de acontecer. Só mais tarde nos apercebemos que é apenas possível de um modo romântico. Há de tudo, gatos que falam, psicopatas e cenas de tortura, parricídio, incesto com todos os membros da família, mistérios militares, sugamento de almas, chuva de osgas, fantasmas, prostitutas que citam Hegel, personagens que simbolizam os desígnios do universo, viagens no tempo, viagens pela morte, e finalmente personagens secundárias também muito interessantes cuja função no universo é ajudar os heróis da história, fazê-los compreender qual o caminho a seguir nas suas vidas tão conturbadas (mas estas coisas sucedem-se num regime muito soft). A história tem um ritmo lento e calmo, cheio de segundos significados. Todos os acontecimentos são descritos de forma a que o leitor seja verdadeiramente envolvido na história, sendo que às vezes quase se sente enganado (não sei explicar muito bem porquê, talvez porque a intensa introspecção das personagens nos transforme em voyers desagradados.)

É um livro interessante, mas o que é certo é que me senti muito aliviada por ter chegado ao final.