quarta-feira, outubro 26, 2005

"Amor, Curiosidade, Prozac e Dúvidas" - Lucía Etxebarría - Notícias editorial

Numa Madrid solitária, comparada à Estrela da Morte, encontramos 3 irmãs com personalidade e estilo de vida completamente diferentes, mas muito iguais no que toca à capacidade de ultrapassar os piores momentos das suas vidas, que aparentemente são todos.

Afeiçoamo-nos às 3 personagens, não por compactuarmos com a sua maneira de viver, mas pelo modo com que a autora espanhola nos leva a compreender o íntimo de cada uma. A autora constrói de tal forma as personagens que no nosso subconsciente temos a certeza que elas realmente existem ou então que representam a própria autora em 3 vidas passadas, uma vez que são exaustivamente desvendados e dissecados os seus segredos emocionais, segredos esses que todos nós temos mas que nunca revelaremos a ninguém e provavelmente escondemos de nós próprios.

A beleza deste livro reside no facto de apesar de ser tão deprimente, mostra como cada personagem atinge o equilibrio para manter a sanidade mental e a autoestima num nível razoável.

Apresentando as 3 irmãs:

Cristina, a personagem com mais vivacidade, sensualidade, extroversão, que vive atormentada pelo vazio emocional da sua vida, cuja banda sonora inclui uma famosa música dos Joy Division.
"When the routine bites hard, and the ambitions are low, and ressentment rides high, but the emotions won't grow... Do you cry in your sleep all your failings expose? Era a voz de um morto (Ian Curtis). Amei a sua solidão e amei o seu orgulho. Get a taste in my mouth as desperation takes hold. It is something so good just can't function no more...? O amor vai separar-nos. Mas eu não precisava de ouvir aquela canção desoladora e dura, demasiado bela e demasiado real, aquela aniquilação de esperança, aquele retrato a preto e branco do prazer e do tormento, aquela afirmação de impotência perante um mundo sem respostas que penetrava na minha carne com a mesma asséptica certeza com que o faria um bisturi de um cirurgião, para saber o que soubera desde criança, desde sempre: o amor destrói. Profundo, cortante, dolorosamente."

Ana, fada-do-lar saída das revistas de etiqueta, que vive em depressão sem causa aparente, tomando Prozac para dormir e anfetaminas para acordar.
"Alguém me podou a mim, penso, e por isso sou como sou, ordenada e com bom aspecto. Nenhum ramo cresceu onde não devia. Sou um arbusto podado que cresceu devido às indicações dos outros. Uma tesoura levou à sua frente as gemas rebeldes, os futuros botões, as rosas cobertas de espinhos."
E finalmente Rosa, uma elegante executiva de sucesso que dedica 100% da sua vida ao trabalho.
"Trinta anos, dez milhões de pesetas por ano. Um BMW. Um apartamento de que sou proprietária. Nenhuma perspectiva de me casar ou ter filhos. Ninguém que goste de mim de uma maneira especial. Isto é assim tão deprimente? Não sei. Será este comprimido branco e verde que tomo todas as manhãs que me ajuda a não chorar? Esse comprimido milagroso que o médico me receitou, esse concentrado milagroso de fluoxicetina que faz que as grandes preocupações resvalem sobre mim como água sobre uma frigideira engordurada?"

Um livro obrigatório para mulheres, duma autora que frisa o papel secundário da mulher na sociedade, as drogas como cortinas de fumo inevitáveis da infelicidade e o sexo como o ópio do povo. Pena a fotografia da capa ser tão horrorosa.

terça-feira, outubro 25, 2005

DIY: The Rise of Lo-Fi Culture - Amy Spencer

DIY significa "do it yourself", expressão que sumariza a ideia de que, se não estamos satisfeitos com os produtos culturais existentes, porque não criar a nossa própria alternativa? Esta ideia aplica-se tanto a revistas ou livros editados pelos próprios autores, como a música gravada pelas próprias bandas, e outras formas de expressão artística e cultural.

Amy Spencer apresenta uma história deste movimento, que se pode considerar como tendo começado com as revistas caseiras ("zines") criadas por fãs de ficção científica (alguns dos quais se tornaram mais tarde escritores conhecidos), e vai até aos actuais blogues e ao problema do download ilegal de música pela internet, passando pelos Beats, dos anos 50, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg, que editavam e promoviam os seus próprios livros, ou pela cultura punk dos anos 70.

Somos assim introduzidos a uma enorme variedade de publicações das quais dificilmente teríamos conhecimento de outra forma (em Zinebook encontra-se um bom catálogo de zines, e-zines, e recursos para quem quiser passar à prática...), bem como a bandas pouco conhecidas para o grande público mas de enorme importância no panorama indie, punk, ou no movimento "Riot Grrl".

Resumindo, este é um livro essencial para bloggers, membros de bandas de garagem, ou para todas as pessoas que se sentem desiludidas com o corporativismo dos media e do meio musical e pensam poder contribuir para a criação de alternativas. No mundo globalizado do século XXI, cada um de nós é um potencial produtor de cultura; basta que tenha algo a dizer e a motivação para o fazer.

quarta-feira, outubro 12, 2005


Crónica Feminina - Inês Pedrosa
(D. Quixote)

Quando for grande quero ser como a Inês Pedrosa.

Talvez mais conhecida como romancista, a Inês Pedrosa é uma excelente jornalista, que assina uma crónica semanal na revista do Expresso. Uma selecção destas crónicas foi recentemente editada pela D. Quixote.
Inês Pedrosa tem uma escrita fácil, fluida, luminosa, com um toque de humor, e acima de tudo não tem papas na língua nem medo de chamar as coisas pelos seus nomes, situando-se acima do politicamente correcto.

Os temas explorados nestas crónicas vão desde questões políticas importantes, nomeadamente aquelas que muitas vezes não são consideradas como tal, por serem "assuntos de mulheres", como é o caso dos julgamentos por prática de aborto em Portugal, o flagelo da violência doméstica ou os direitos humanos em países do chamado "Terceiro Mundo"; passam por recomendações de filmes e livros; pelo elogio sincero de pessoas que o merecem (uma prática infelizmente rara no nosso país), e acabam por constituir no seu conjunto uma análise transversal da sociedade contemporânea.

Acima de tudo, estas crónicas são muito viciantes. Uma pessoa começa a ler e depois não consegue parar, lêem-se umas a seguir às outras, e se há uma ou outra cujo ponto de vista difere do nosso, isso não as torna menos estimulantes. Todos os assuntos escolhidos são interessantes e actuais, e tratados com inteligência e humor. Altamente recomendado.