domingo, janeiro 28, 2007


Como Tornar-se Doente Mental - José Luís Pio Abreu (muitas edições)

“Como tornar-se doente mental”. Quando vi este livro cá por casa senti uma imediata repulsa em o ler, por causa do título, pensando eu que era mais um de muitos livros que supostamente ensinam a obter o “equilíbrio” a “conhecer-nos a nós próprios” para poder combater as nossas fraquezas e ter uma saúde mental 5 estrelas. Mas um dia, nem sei por que motivo, vai que pego no livro e este fica colado aos meus dedos. Como é pequeno li-o de fio a pavio, muitas vezes dando por mim a rir-me sozinha (tal como acontece com o Inimigo Público, passo a publicidade). O Dr. Pio Abreu explica de uma forma cómica e simples o que o leitor tem de fazer para conseguir a proeza de ter o título de “doente mental”. O livro desconstrói o universo turvo das doenças/perturbações psiquiátricas, explicando os factores predisponentes e mostrando como é frustrante a vida de um médico psiquiatra. Quase que em cada capítulo encontrei uma faceta minha, mas o Dr. Pio Abreu explica no final que todos nós temos traços dos problemas apresentados sem que isso constitua um problema (chama-se a isso "ter personalidade"). De qualquer forma não aconselho este livro a hipocondríacos que desconheçam que o sejam (porque são estes que não procuram tratamento), o que é um conselho talvez um pouco inútil. Achei muito interessante, acho que a maioria das pessoas não têm a noção de como se instauram estas doenças e como é tão fácil perder o controlo sobre o nosso organismo (hormonas, neurotransmissores e tudo o mais). Também muitas vezes as situações são exacerbadas erroneamente e propositadamente, com vista à melhoria, mas dando origem a catástrofes mentais intratáveis. Por exemplo, aquela história de respirar fundo para obter a calma e afastar o pânico… Ao fazer isso inibe-se a reacção fisiológica fight or run essencial para o desbloqueamento de qualquer situação conflituosa, devido à hiperoxigenação provocada (por isso na emergência de um ataque de pânico se respira para dentro de um saco de plástico fechado, goodbye oxigénio, olá calma).
Chega-se à conclusão que ser-se doente mental é muito cansativo e atormentador (não tenho a certeza, mas estima-se que 40% da população portuguesa sofre ou já sofreu de perturbações mentais – sendo talvez a depressão uma das doenças que faça elevar mais esta percentagem). Muitas destas doenças são tratáveis, mas a maioria das pessoas não procura ajuda (as que a procuram, muitas vezes não têm nenhum problema mental, apenas necessitam de orientações sobre o que fazer da vida ou alguém com quem desabafar os seus problemas, sim, porque ter problemas não significa ser-se doente mental, confunde-se muito a tristeza com a depressão). Das doenças descritas, a esquizofrenia continua a ser o grande mistério da psiquiatria (ainda muito pouco se sabe sobre os mecanismos que originam a doença).

Estes são os capítulos do livro:
Capítulo 1. Como Tornar-se Fóbico
Variante 1. Fobias Específicas
Variante 2. Perturbação de Pânico
Variante 3. Fobia Social
Variante 4. Personalidade Evitante
Capítulo 2. Como Tornar-se Paranóico
Variante 1. Psicose Paranóide
Variante 2. Delírio Hipocondríaco
Variante 3. Delírio de Ciúmes
Variante 4. Erotomania
Capítulo 3. Como Tornar-se Obsessivo-Compulsivo
Variante 1. Hipocondria
Variante 2. Anorexia e Bulimia
Variante 3. Parafilias
Variante 4. Cleptomania e Outras Perturbações do Impulso
Capítulo 4. Como Tornar-se Histriónico
Variante 1. Estados Dissociativos
Variante 2. Conversão
Variante 3. Transtorno de Somatização
Variante 4. Psicopatia
Capítulo 5. Como Tornar-se Maníaco-Depressivo
Variante 1. Doença Afectiva Sazonal
Variante 2. Depressão Unipolar
Variante 3. Mania Unipolar
Variante 4. Distimia e Outras Depressões
Capítulo 6. Como Tornar-se Esquizofrénico
Variante 1. Hebefrenia
Variante 2. Catatonia
Variante 3. Personalidade Esquizotípica
Variante 4. Outras Formas e Misturas
Capítulo 7. Como Não Ser Doente Mental

Enfim, muito interessante para quem se interessa pelos designios da mente humana e pelas partidas que ela é capaz de pregar a quem esteja desatento (ou não).
(Ando com alguma dificuldade em arranjar imagens para os posts, tenho de voltar a utilizar o scanner, mas primeiro tenho de descobrir por onde andam os livros).

A Morte de um Apicultor - Lars Gustafsson – edições ASA

Um grande escritor. Um livro pequeno, com poucas páginas, poucas palavras, muito silêncio e paisagens impressionantes. Lars Gustafsson é um escritor sueco com uma forma particular de escrever. A sua personagem, um professor com reforma antecipada que vive isolado no meio da natureza dura e cujo passatempo é a apicultura (como só poderia ser, uma vez que não requere muito trabalho) descobre a possibilidade de um encontro com a morte a curto prazo. Quando não tem dores suficientes nem cansaço exagerado, escreve textos em diversos cadernos, textos sem nenhuma ordem cronológica em especial, textos de fantasia, filosofia e reflexões sobre o seu passado. O livro mostra-nos esses textos tornando-nos voyers dos pensamentos da personagem. Estes pensamentos são tudo menos lineares, deixando o leitor a pensar em perspectivas completamente diferentes da existência humana. A dor, a morte, as ligações afectivas, a esperança, o conformismo, o sentimento de pertença a uma sociedade, o sentimento de pertença à natureza, o medo, as coisas que só se descobrem tarde de mais sobre o próprio, são temas que abundam em cada texto apresentado. Uma escrita muito pura e crua, de alguém que é obviamente um filósofo. Imprescindível pela originalidade.

terça-feira, janeiro 16, 2007


E se eu gostasse muito de morrer - Rui Cardoso Martins

Desconhecia o autor, bem como a sua ligação a tantos projectos, desde o jornal Público, passando pelo Herman Enciclopédia até ao Zona J. Para mim foi uma revelação. O autor, e principalmente o livro.
Comecei por achar o título audaz. Não é todos os dias que ouvimos alguém dizer "E se eu gostasse muito de morrer". Não é somente Se gostasse. É se gostasse MUITO!
O livro... a estrutura adoptada para a narrativa não é linear, mas trambém não é inacessível. É suficientemente diferente, apenas para ser diferente. O texto é narrado numa primeira pessoa bastante discreta, grande parte do livro é sobre as histórias dos outros com quem se relaciona e através das quais vai caracterizando o meio em que se encontra. O Alentejo interior. De acordo com o Boletim Internacional da Sociedade Portuguesa de Suicidologia Portuguesa o Alentejo é a região de Portugal com a maior taxa de suicídios. E este livro tenta mostrar-nos porquê. Começa com o suicídio do coveiro "Dá vontade de rir: uma cidade onde até o coveiro se mata" e continua com uma série de suicídios (uns bem sucedidos, outros nem por isso), homicídios e ainda com aqueles que se matam "sem querer". Tudo com muito alcóol e droga à mistura. Os escapes para quem quer fugir sem sair do sítio. Sim, porque durante todo o livro reina o sentimento de desprezo pela terra onde nada acontece, mas livre-se aquele que mal dela falar!
O narrador dirige-se muitas vezes a uma segunda pessoa que parece ser o leitor, no entanto, o conteúdo das mensagens não nos faz sentido. Não é para nós que ele fala. Ele esteve o tempo todo a contar como tem sido a sua vida, à ex-namorada, que o trocou por outro. Um outro que não é do Alentenjo, Alentejo que também ela abandonou.
Toda a história é rica em informações paralelas, desde pormenores da morte de Kurt Cobain, às chaminés de fumo preto e fumo branco (capa) da fábrica de cortiça do Alentejo, cortiça usada pela NASA!
Eu costumo dar muito valor a uma história capaz de me surpreender, que termine de uma forma diferente. Nesta, o fim é previsível, desde as primeiras linhas que adivinhámos como vai terminar. Mas não podia ser doutra forma. Só assim soa a real.
A leitura deste livro tocou-me em algumas feridas que todos temos, e questionei-me muitas vezes sobre como se sentirá um alentejano a lê-lo. Não esquecendo que foi um alentejano que o escreveu.

sábado, janeiro 13, 2007

The Surrogates
- Robert Venditti & Brett Weldele

Há muito tempo que não lia um livro de banda desenhada tão bom (se calhar é porque não tenho lido muitos), que é simultaneamente um dos melhores livros de ficção científica que li nos últimos tempos. E aposto que dava um óptimo filme. Comprei-o depois de ler a crítica do SF site, que me abriu o apetite.
A história: em 2054, a maior parte da população vive fisicamente dentro de casa, e tem um ou mais surrogates, autómatos com aparência humana, controlados por um sistema de realidade virtual que permite ao utilizador experimentar as sensações correspondentes sem qualquer risco (por exemplo, ter a sensação de fumar sem os malefícios associados), e simplesmente desligar-se do sistema quando estiver numa situação desconfortável. Os benefícios são mais do que evidentes: o crime é praticamente inexistente, as pessoas podem não só ultrapassar deficiências físicas como alterar o seu aspecto, raça, ou mesmo sexo, a seu belo prazer. Os preconceitos são subtilmente contornados: por exemplo, se um empregador se sente desconfortável a contratar uma mulher para um determinado cargo, ela apresenta-se com um surrogate masculino. Nada mais simples.
Mas será que isto resolve os problemas das pessoas, ou apenas lhes permite viver sem os enfrentar? É claro que este é um mundo extremamente artificial, em que as pessoas literalmente deixaram de viver as suas vidas para apenas as "experienciarem" a uma distância segura.
Neste contexto, um misterioso tecnoterrorista começa a destruir sistematicamente surrogates. Este caso poderá estar ou não relacionado com os Dreads, uma pequena parte da população que é contra os surrogates por motivos religiosos. O livro é a história da investigação que se segue, conduzida por Greer, um polícia de meia-idade infeliz, cuja mulher há vários anos se recusa a mostrar-se em carne e osso, por não ser capaz de enfrentar o envelhecimento.
Como geralmente acontece com a boa ficção científica, há muitos paralelos com a direcção que a nossa própria sociedade parece estar a tomar. Assim de repente, ocorrem-me as operações plásticas, o culto da aparência, as pessoas que só têm interacções “sociais” através da internet, e o caso extremo do hikikomori, os adolescentes japoneses que simplesmente se fecham no quarto e recusam qualquer contacto social. Realmente viver é difícil, cansativo, e arriscado, e muitas vezes a tecnologia facilita um certo distanciamento da realidade. Mas se calhar, e apesar das partes más, chatas, e desconfortáveis, viver é mais interessante do que qualquer realidade virtual.
Quanto ao livro, não é muito fácil de encontrar; o melhor é procurá-lo nas livrarias especializadas em BD, como a Mundo Fantasma.