terça-feira, janeiro 16, 2007


E se eu gostasse muito de morrer - Rui Cardoso Martins

Desconhecia o autor, bem como a sua ligação a tantos projectos, desde o jornal Público, passando pelo Herman Enciclopédia até ao Zona J. Para mim foi uma revelação. O autor, e principalmente o livro.
Comecei por achar o título audaz. Não é todos os dias que ouvimos alguém dizer "E se eu gostasse muito de morrer". Não é somente Se gostasse. É se gostasse MUITO!
O livro... a estrutura adoptada para a narrativa não é linear, mas trambém não é inacessível. É suficientemente diferente, apenas para ser diferente. O texto é narrado numa primeira pessoa bastante discreta, grande parte do livro é sobre as histórias dos outros com quem se relaciona e através das quais vai caracterizando o meio em que se encontra. O Alentejo interior. De acordo com o Boletim Internacional da Sociedade Portuguesa de Suicidologia Portuguesa o Alentejo é a região de Portugal com a maior taxa de suicídios. E este livro tenta mostrar-nos porquê. Começa com o suicídio do coveiro "Dá vontade de rir: uma cidade onde até o coveiro se mata" e continua com uma série de suicídios (uns bem sucedidos, outros nem por isso), homicídios e ainda com aqueles que se matam "sem querer". Tudo com muito alcóol e droga à mistura. Os escapes para quem quer fugir sem sair do sítio. Sim, porque durante todo o livro reina o sentimento de desprezo pela terra onde nada acontece, mas livre-se aquele que mal dela falar!
O narrador dirige-se muitas vezes a uma segunda pessoa que parece ser o leitor, no entanto, o conteúdo das mensagens não nos faz sentido. Não é para nós que ele fala. Ele esteve o tempo todo a contar como tem sido a sua vida, à ex-namorada, que o trocou por outro. Um outro que não é do Alentenjo, Alentejo que também ela abandonou.
Toda a história é rica em informações paralelas, desde pormenores da morte de Kurt Cobain, às chaminés de fumo preto e fumo branco (capa) da fábrica de cortiça do Alentejo, cortiça usada pela NASA!
Eu costumo dar muito valor a uma história capaz de me surpreender, que termine de uma forma diferente. Nesta, o fim é previsível, desde as primeiras linhas que adivinhámos como vai terminar. Mas não podia ser doutra forma. Só assim soa a real.
A leitura deste livro tocou-me em algumas feridas que todos temos, e questionei-me muitas vezes sobre como se sentirá um alentejano a lê-lo. Não esquecendo que foi um alentejano que o escreveu.

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