domingo, dezembro 17, 2006

Everyman – Philip Roth

Depois de ler A Mancha Humana (também recomendado neste blog), fiquei com uma vontade irreprimível de ler o último livro do Philip Roth, ainda não traduzido (mas não deve faltar muito, penso eu). Mais uma vez, não é um livro particularmente alegre e fácil, mas é extraordinariamente sincero e fala da experiência comum a todos que é o nosso corpo físico e os problemas que inevitavelmente o envelhecimento traz.
Everyman narra a história de um homem obcecado com a morte, e termina precisamente nesse acontecimento inevitável. Encarar a sua própria morte é insuportável ao protagonista que, para tentar adiar o mais possível essa tragédia, acaba por tomar uma série de decisões que só o isolam das pessoas que se importam com ele, em nome de uma segurança fictícia.
O everyman deste livro é um homem frustrado pelo facto de o seu corpo, que um dia foi tão saudável e aparentemente invulnerável como o de qualquer jovem, o desiludir continuamente com problemas de saúde uns atrás dos outros, e isto muito antes da velhice propriamente dita. É um homem que lamenta as decisões que tomou mas não pode voltar atrás, e que se tornou naquilo que nunca quis ser.
No fundo a ideia com que ficamos no fim é de que a vida é apenas aquilo que é, incluindo a velhice, a doença, a dor, e a morte. Mas é também o que fazemos dela e as escolhas que tomamos. O melhor que podemos fazer é aproveitar o melhor possível o tempo que temos e a saúde que temos, porque ambos vão acabar mais cedo ou mais tarde. Ou seja, o melhor que podemos fazer é, parafraseando um spot publicitário, gostarmos da vida como ela é.

domingo, novembro 19, 2006


O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá - Jorge Amado


Uma lufada de boa disposição, apesar de não ser o típico conto do “…e viveram felizes para sempre.” Derreti-me. Eu confesso que sempre associei o nome de Jorge Amado a telenovelas brasileiras e por esse motivo nunca me atraiu muito a sua leitura. Li este por sorte. Adoro gatos (sim, também foi um pouco por isso que li o do Murakami) e ao passar numa livraria deparei-me com as ilustrações fantásticas deste livro. Ao desfolhá-lo não resisti a levá-lo para casa.

É uma fábula extremamente simples que atinge o extremo do hilariante e o do melancólico. Tudo começa com a história que o Vento conta à Manhã enquanto a corteja. A história do Gato Malhado e da Andorinha Sinhá. As personagens são facilmente transpostas para a realidade. Todos nós conhecemos alguém que poderia ser o hipócrita Reverendo Papagaio ou a Vaca Mocha e a sua suposta superioridade por ter ascendência argentina. O Gato Malhado é um inadaptado e é com a Andorinha Sinhá que vai despertar e conhecer o Amor…impossível.

O (triste) final desta história é mais uma vez uma realidade em que os valores impostos pela “sociedade” vencem e fazem as personagens desistirem dos seus sonhos. Faz pensar. Que faríamos nós no lugar da Andorinha?

quarta-feira, novembro 08, 2006

Youth - J. M. Coetzee

Pensei muito antes de comprar este livro. Primeiro, porque já tinha lido um livro deste autor (A Vida e Tempos de Michael K.) e portanto já suspeitava que seria, no mínimo, deprimente. E segundo, por causa do tema, que de certo modo me toca pessoalmente: um jovem (sul-africano) que sonha em ir para Londres e ser poeta. E toda a sua vida até então não terá passado de uma preparação para a verdadeira vida. É claro que nada vai correr como esperado e aquilo que não passa de um sonho vago de juventude vai chocar violentamente com uma realidade que nada tem a ver com a vida idealizada.
Ou seja, John (não é fácil encontrar o nome do protagonista no livro, mas está lá) vai realmente conseguir juntar dinheiro suficiente para ir para Londres, escapando assim à época conturbada que então se vive na África do Sul (o livro passa-se nos anos 60, com a guerra fria como pano de fundo), e encontra rapidamente emprego, trabalhando como programador para uma empresa de informática. No entanto, nada é tão simples como este jovem pensava que seria: para começar, ele detesta o emprego na IBM; não consegue integrar-se na sociedade britânica e ao fim de um ano ainda não fez um único amigo digno desse nome; a sua poesia vai de mal a pior; e, nas relações passageiras com raparigas ocasionais, não há chama, nem paixão, nem amor, nem mesmo erotismo.
No fundo, mais do que a realidade, a barreira invisível contra a qual o infeliz protagonista esbarra uma e outra vez não é mais do que ele próprio, a sua própria natureza. Se fosse uma pessoa diferente, mais calorosa, mais aberta, mais capaz de enfrentar as situações, mesmo correndo o risco de falhar, então talvez tudo corresse de outra maneira. Ele sabe-o, mas, embora mantendo uma vaga esperança de que talvez amanhã, talvez outro dia, consiga reunir a energia para se “atirar para a frente”, hoje não é capaz.
Sim, eu já sabia que era um livro um bocadinho deprimente. Mas vale a pena. Coetzee, como todos os grandes escritores, conhece bem a natureza humana.

terça-feira, outubro 24, 2006

O milagre do equilíbrio – Lucía Extebarria – Dom Quixote (Prémio Planeta)

O livro gira à volta de um nascimento de uma filha e da morte de uma mãe. Eva Agulló é escritora madrilena e escreve uma longa carta à sua filha recém-nascida, Amanda, para que esta possa ter acesso à sua mãe de uma forma que Eva nunca conseguiu com a sua. Ao longo do livro, Eva descobre-se e procura entender os motivos dos seus fracassos e das suas escolhas, através de uma série de perguntas que se coloca e que acaba por descobrir a chave.
O que significa realmente ser mãe? Onde acabam os mitos da maternidade e começa a realidade? Qual o desajuste entre os problemas que a maternidade levanta e o que impõem os livros pedagógicos, para além do que é aceite socialmente para uma mãe sentir?
Como influencia a sua vida a culpa em relação à infelicidade dos pais? Qual a relação do alívio provocado pelo álcool, pela escrita e pelos momentos amorosos com o medo de se envolver emocionalmente e com a sua auto-estima?
O que significa a imagem que Eva representa para os outros (fisicamente e psicologicamente) na sua própria personalidade?
O que é necessário para que a sua escrita resulte?
O livro é muito interessante e emotivo não tanto pela história (podia ser a história de qualquer mulher) mas pela análise dos seus detalhes e pela evolução da personagem de Eva, fazendo-nos duvidar que exista uma escritora por detrás de uma carta tão verosímil.
Essencial para todas as mulheres, muito bem escrito, mas tradução com alguns erros.

segunda-feira, outubro 23, 2006


V for Vendetta – Alan Moore - BD

Adaptado recentemente para o cinema, embora sem o apoio de Alan Moore devido ao desvio da história original, “V for Vendetta” mostra-nos uma Londres amnésica do seu passado que renuncia à liberdade como forma de sobrevivência de um pós-guerra avassalador. A personagem principal, que opta por representar a teatralidade como uma metáfora a tudo aquilo que a sociedade esqueceu, tem a inteligência, a capacidade e os meios que lhe permitem controlar e saber tudo o que se passa em Londres, vivendo num esconderijo que mais parece um memorial representativo de tudo o que já existiu e que as pessoas se esqueceram, como as rosas, a música, a arte e os quadros. Do outro lado conhecemos os líderes da cidade que se baseiam num sistema “big brother” com recurso à violência e eliminação de minorias e de indivíduos que tenham o atrevimento de tentar pensar (muito ao género de Orwell). V tenta tirar as pessoas da apatia e vingar-se do que anteriormente lhe fizeram, utilizando para isso a violência e a destruição. Quando conhece Evey, de 16 anos, abre-lhe os horizontes para que entenda que a sua ambição de conseguir uma vida normal seja arrasada pela impossibilidade de respirar numa cidade onde a liberdade não existe. V não tem nenhum discurso em que usa todas palavras começadas por V, antes fala por metáforas de referências literárias. As personagens secundárias a V são muito exploradas (ao contrário do filme, em que nem sequer é V que mata o chefão) e as suas atitudes desesperadas encaixam-se com o clima sombrio de toda a história.
Uma BD de culto.

quinta-feira, setembro 21, 2006



O Império do Fast Food - Eric Schlosser - Quetzal Editores

Indispensável para quem trabalha na indústria das carnes e na restauração, este livro descreve o desenvolvimento do das cadeias fast-food na sociedade americana e subsequente importação para o resto do mundo. Explica como foram desenvolvidos os produtos, desde a história dos irmãos MacDonalds à ideia dos arcos dourados, desde donde vem a carne aos ingredientes secretos que dão aquele sabor típico das batatas fritas. Mas o mais interessante do livro é que nos mostra exactamente como se forma a sociedade do consumo e como as pessoas são manipuladas de forma a acharem indispensáveis estas novas formas de alimentação. Claro que toda a gente sabe que a evolução cultural é altamente condicionada pelos valores económicos, mas é caso para dizer que andamos todos a dormir quando não nos apercebemos aonde acaba a cultura e começa os valores do consumo.
Como exemplo, dou aqui o conceito do Happy Meal, o produto com menos margem de lucro da cadeia MacDonalds, num ponto de vista que antes nunca me tinha ocorrido. Temos tendência a gostar de produtos que consumimos na infância e que inconscientemente associamos aos momentos felizes de brincadeira. Mais ou menos como aquela conversa de “os cartoons da minha geração é que eram bons”. Na minha geração, lembro-me do “Caprisumo”, naqueles pacotes prateados e moles. Nos tempos de hoje, cada vez que o “Caprisumo” vem à baila numa conversa, acabo sempre por ouvir “oh, esse sumo é tão bom, era o sumo que a minha mãe levara para a praia…” Como o chocolate “Jubileu”, o “Cerelac”, os “Sugos”, as super pastinhas “Gorila”, o “Suchard Express”, sentirei sempre “respeito” por esses produtos, e de vez em quando tento comprar para matar saudades. Com esta idade ainda não fui capaz de deitar fora certos brindes coleccionáveis, como as diferentes tampas metálicas da Nesquick “sabe mais a chocolate” com o desenho do canguru com ar de estúpido. É assustador pensar que toda a estratégia do Happy Meal (em que os miúdos associam a comida a um coisa muito agradável, o brinquedo coleccionável) insere-se na estratégia de criar adultos que gostem verdadeiramente do sabor daquela porcaria de comida e que sintam prazer em frequentar esses espaços com regularidade. Aquilo que antes significava uma refeição prática e barata em momentos de aperto monetário vai-se transformando pouco a pouco numa herança cultural. Na indústria do Fast-Food tudo é controlado, estudado e nada é ao acaso. Depois de ler o livro fico com pena dos americanos (quase me esquecendo que provavelmente seguiremos pelo mesmo caminho), como por exemplo, pelo facto das escolas serem praticamente obrigadas a aceitar patrocínios de marcas do género da Coca-cola para se sustentarem, com a obrigatoriedade de publicitar o produto e incentivar o seu consumo no espaço escolar.

Acaba por ser um livro muito exaustivo, de modo que só tem interesse para quem tenha mesmo muita curiosidade no assunto ou para quem trabalha na área.

Never Let Me Go – Nunca me deixes - Kazuo Ishiguro

Nomeado para o Man Booker Prize 2005, este livro aborda a vida de 3 amigos (Kath, Ruth e Tommy) em três secções, a infância, a adolescência e um pouco da vida adulta nos seus empregos. O narrador é uma destas personagens (Kath), e durante todo o livro só temos acesso à sua perspectiva.
Na primeira parte do livro o leitor não sabe o que têm estes três amigos de diferente em relação ao resto das pessoas, mas percebe que algo está errado e que existem muitos segredos que indiciam algo que não muito simpático.
O livro é um bocadinho maçador, no aspecto de ser muito pormenorizado em relação ao dia-a-dia das crianças, e da importância que Kath dá a acontecimentos triviais que se passam na escola. Este tipo de narrativa acaba por ser importante para o leitor conseguir entender as atitudes e as escolhas de cada uma das personagens no contexto em que socialmente foram criados.
Depois do segredo ser desvendado, o leitor nunca terá acesso às questões práticas da trama, porque o essencial da história está nas relações entre as três personagens que se estabelece dentro de um contexto educacional tão específico. As personagens não descobrem o segredo de modo repentino, crescem como se sempre o soubessem e sempre o aceitassem, de modo que acaba por ser um exercício muito interessante sobre condicionamento humano, perfeitamente possível de acontecer, metaforizando situações equivalentes que muitas comissões de ética temem.

SPOILER / CONTÉM DADOS QUE NÃO DEVE SABER SE QUISER LER O LIVRO

Ok, eu digo, o segredo de que falo que só se descobre a metade do livro é mais ou menos equivalente ao segredo do filme “A Ilha”. Uma quantidade apreciável de seres humanos é clonada para que em adultos se tornem reservatórios de órgãos disponíveis para o resto da população. Tudo é realizado um pouco às escondidas, porque apesar de toda a gente saber de onde vem os órgãos ninguém quer pensar no assunto, uma vez a partir do momento que se adoptou este método a esperança média de vida da população aumentou substancialmente. Se calhar equivale ao mesmo sentimento que faz com que muitas pessoas procurarem órgãos no mercado negro (mesmo sabendo de onde vêm), mas ampliado para toda a população. Ninguém sabe quantos centros de criação de clones existem, nem onde se localizam. Um deles (onde cresceram as personagens) tem uma característica especial. Esforça-se por dar uma educação exigente aos clones e estimula-os artisticamente, recolhendo as suas melhores obras de arte como prova de que os clones têm alma e em nada diferem da restante população quando se lhes é dada o mesmo tipo de oportunidades (para justificar o tal esforço na sua educação). Os clones são condicionados a achar que a sua missão no mundo a de doarem órgãos, com um sentimento de submissão que lhes impede de fugir e de tentar ter uma vida “normal”. Quando chegam a adultos podem iniciar a sua “carreira” de “toca a tirar os rins”, que consiste em cirurgias sucessivas com intervalos para a recuperação, ou então servem de “enfermeiros” aos que doam. Felizmente os pormenores mórbidos não são descritos, mas percebe-se que não vivem muito tempo. Estranhamente (ou não) a maioria deles prefere iniciar as doações o mais rapidamente possível e evitar a “carreira” de enfermeiros, porque afinal, foi para isso que foram concebidos, e a vida não teria sentido se não sentissem orgulho de o fazer.
Assim, as personagens crescem sem pais e acabam por ser pais umas das outras, sentir a necessidade de se inter-controlarem e inter-educarem. Por outro lado, como são educados protegidos do mundo exterior, e nunca têm necessidade de usar os piores defeitos que o ser humano tem para subir na vida, as personagens, após passarem pela crueldade típica da infância, tornam-se pessoas muito inocentes, compreensivas, pensativas, justas e passivas.

No final achei que o livro não constitui uma critica ao progresso científico que se desenvolve a uma velocidade que não permite a reflexão moral da sociedade sobre o mesmo, mas apenas um exercício sobre condicionalismo de um grupo de pessoas educadas de determinada maneira, aproveitando um possível e polémico contexto, o que coloca o livro na prateleira da Sociologia e não da Ficção Científica.
Kafka on the Shore (II) - Haruki Murakami - casa das letras/editorial notícias

Este livro engana muito (best seller com uma data de prémios). Colocam um livro destes em destaque em todas as livrarias com o título “Kafka à Beira Mar” e com um gatinho preto com ar simpático na capa… Parece que vai sair dali uma história bonita sobre gatinhos lindos e com uma moral daquelas que nos faz sentir pessoas melhores.
Mas não! A Pandora tinha razão!
Não é nada disso, é um livro Japonês belo, com uma sonoridade muito própria (não se parece com nada do que eu tenha lido) e com uma temática invulgar.

Se pensar um bocadinho consigo dizer já aqui vinte pessoas que conheço que não podem de maneira nenhuma ler este livro. Poderiam ter pesadelos, indisposições e indigestões. Também é um livro enorme, nunca mais acaba, é muito lento… É necessário ter muita paciência e persistência. Quando começava um novo capítulo eu só pensava “agora é que vai ser, agora é que vai acontecer alguma coisa de interessante”. Só mais para o fim do livro é que começamos a entender todo o sentido. E aí é que talvez valha a pena para quem goste do género. “Qual género?” Nem sei explicar muito bem, não é fácil. Talvez seja sobre o destino, sobre a alma, sobre a passagem da vida e da morte e sobre a intemporalidade.
O livro passa-se com capítulos alternados de duas personagens, um jovem que adora ler e que foge de casa (Kafka) e um velho que devido a um acidente na infância do género “X-Files” fica meio tontinho (Nakata). Mais para o fim do livro percebe-se a ligação entre estas duas personagens. O jovem tem de viver com uma espécie de “maldição” e com um amor impossível e vai ter de encontrar o seu caminho. O velho vai ter de executar uma tarefa importantíssima para que a ordem do universo se restabeleça.

Quando começamos a ler julgamos que é uma história possível de acontecer. Só mais tarde nos apercebemos que é apenas possível de um modo romântico. Há de tudo, gatos que falam, psicopatas e cenas de tortura, parricídio, incesto com todos os membros da família, mistérios militares, sugamento de almas, chuva de osgas, fantasmas, prostitutas que citam Hegel, personagens que simbolizam os desígnios do universo, viagens no tempo, viagens pela morte, e finalmente personagens secundárias também muito interessantes cuja função no universo é ajudar os heróis da história, fazê-los compreender qual o caminho a seguir nas suas vidas tão conturbadas (mas estas coisas sucedem-se num regime muito soft). A história tem um ritmo lento e calmo, cheio de segundos significados. Todos os acontecimentos são descritos de forma a que o leitor seja verdadeiramente envolvido na história, sendo que às vezes quase se sente enganado (não sei explicar muito bem porquê, talvez porque a intensa introspecção das personagens nos transforme em voyers desagradados.)

É um livro interessante, mas o que é certo é que me senti muito aliviada por ter chegado ao final.

quinta-feira, agosto 17, 2006


Aquilo Que Eu Amava - Siri Hustved - Edições ASA

A autora é a esposa de Paul Auster (este apontamento é apenas uma curiosidade, como o facto da autora ser especialmente bonita talvez pela sua origem nórdica).

O cenário é New York e o mundo da arte e das galerias de Manhattan, tornando o livro num New York book. Caracteriza a vida de dois casais e o crescimento dos seus dois filhos com idades próximas. É um projecto de vida de pessoas que depois de vários acontecimentos se tornam profundamente infelizes. Será isso que a autora quer dizer, isto é, aquilo em que nos transformamos ao longo da vida. É notório o trabalho de pesquisa efectuado ao nível de algumas patologias sociais e psiquiátricas, levantando-se interrogações sobre as suas origens. Por isso é mais um livro de perguntas do que de respostas.

O facto do narrador, Leo, ser homem (é professor de História de Arte), não terá sido tarefa fácil para a autora, já que constrói com coerência esta personagem. Inicialmente o livro aborreceu-me, não por ser monótono, mas por não sentir grande interesse pelas personagens. Contudo mudei de opinião na segunda parte, pela forma como se desenrola a história face à importância que um jovem, um dos filhos, vem a ter no cruzamento da narrativa. É uma personagem muito bem contruída (e eu que o diga), um jovem com personalidade anti-social, psicopata ou sociopata, conforme se queira dizer.

Kivi (16-08-06)

terça-feira, julho 25, 2006



A Mancha Humana - Philip Roth - Dom Quixote

A Mancha Humana é um romance intenso e brilhante que narra a existência de um ano de vida de um professor universitário de literatura clássica, Coleman Silk (o mais branco de todos os brancos), que rompe com os moldes que a sua própria comunidade lhe impõe, para mostrar como um individuo apaga o seu passado e a própria identidade, reivindicando o supremo do individualismo, bandeira que caracterizou os Estados Unidos como terra promissora. O contexto é essa América multicultural que em nome do sonho americano e graças à potencialização das diferentes particularidades existentes, criou múltiplas sociedades dentro da própria sociedade e com diferentes formas de entender a existência. Assim o designado multiculturalismo americano, uma ideia inicial boa, converteu-a numa sociedade fechada, onde cada um só pode sobreviver dentro do grupo a que está destinado. Espera-se assim que Coleman Silk tenha determinado padrão de conduta, assim como as outras três personagens principais. Todos constroem a sua existência em segredos , mas por mais que se purifiquem a mancha humana funciona como uma sombra nos seus destinos. É um retrato cru da América da hipocrisia, da mentira e do puritanismo, por isso como pano de fundo estão as revelações da vida pessoal do presidente Clinton. E temos a personagem para mim mais reveladora, Faunia (a cena da dança com Coleman é divina), que apesar da inutilidade irreversível da sua vida, do caos e da falta de esperança, no seu panteísmo ela é o mundo.


Kivi

domingo, julho 02, 2006


António Mega Ferreira - AMOR - Assírio e Alvim

Trata-se de uma novela que se lê de uma penada , não só pelas suas 77 páginas mas também pela fluidez da escrita. É a amitié amoureuse entre um jovem que aprendeu o amor e o mundo através dos olhos de uma mulher madura. Ela, Winnie, é a mulher sedutora, que lhe despertou a sensualidade, o amor na sua linguagem de pele ao jeito de Justine. Winnie, mulher experimentada e auto-suficiente, tem mundo mas também um segredo - " O que aconteceu à Winnie quando fez dezasseis anos...". Pejado de referências literárias, o espaço do romance é o Mediterrâneo, o espaço originário da nossa história e também o calor de Marraquexe e o suor dos corpos. Mas o amor cedeu ao envelhecimento do corpo e o enigma desfaz-se. Winnie afinal não tinha uma história dramática nem um acontecimento singular no seu passado. Ela deixara a sua vida presa porque se convencera que só podia escrever se tivesse vivido como uma figura de ficção; assim sem estar protegida por essa história desejada, as suas tentativas para escrever ficaram em fragmentos.
Fiquei com vontade de ler mais AMF

02-06-06 Kivi

segunda-feira, junho 12, 2006

Hugo Pratt – O desejo de ser inútil – Memórias e Reflexões – Entrevistas com Dominique Petitfaux – Relógio de Água

“Hugo Pratt, o homem que criou a lenda de Corto Maltese, tornou-se ele próprio uma lenda. Este livro, profusamente ilustrado e publicado poucos anos antes da sua morte, explora os mistérios da sua vida.”

Já não lia um livro tão entusiasmante há muito tempo. Aliás, de todos os livros que referenciei aqui no blog, nenhum me deu tanto prazer a ler como este. Se calhar eu não sou a pessoa ideal para escrever um comentário a este livro, porque sou fã das aventuras de Corto Maltese. Hugo Pratt não é Corto Maltese, embora partilhe alguns dos gostos, como as lendas, a cultura esotérica, a história e as mulheres. Passou a sua vida a viajar, movido pelo espírito da curiosidade e pela busca da verdade inantingível, sendo os seus guias de viagens os livros de histórias e de poesia (Rimbaud, Kipling, Coleridge, Yeats, Chrétien de Troyes, Shakespeare, Octávio Paz, Jack London, Curwood, Zane Grey, Kenneth Roberts, Traven, Edgar Wallace, Henry Rider Haggard,…). As memórias de todos os sítios por onde passa são transcritas para banda desenhada (é a sua câmara fotográfica). Quando existem hiatos históricos, Hugo desenha ele próprio a realidade.

Ao longo do livro (sob a forma de entrevista) Hugo descreve todos os lugares por onde passou e as suas ideias em relação a determinados temas. Sendo absolutamente polivalente e sempre aberto a novas experiências, Hugo viveu em Itália (Veneza), Etiópia (onde o pai combateu), Argentina, Londres, França e Suiça. Teve amigos e mulheres de todos os tipos e raças (só gostava de pessoas interessantes e não criticava ninguém pelas actividades amorais).

Aconselho este livro a todas os fãs de Corto Maltese. Os que nunca leram as suas aventuras poderão correr o risco de desgostar do livro e de não acreditar em metade do mundo interessante e fascinante que Hugo relata. Quando se tornou famoso, muitos criticos acusaram-no de fascista (apesar de ser absolutamente contra a guerra que lhe matou muitos entes queridos e de recusar qualquer forma de discriminação). Hugo Pratt teve uma vida aparentemente instável e perigosa, mas mostra-se na entrevista como uma pessoa coerente dentro dos contextos em que viveu, tendo aprendido e evoluído com o que o mundo lhe mostrou.

D. Petitfaux: - Referiu que as palavras do seu pai, quando ele lhe ofereceu A Ilha do Tesouro de Stevenson, foram: “Também tu, um dia, acharás a tua ilha do tesouro.” Para concluir estas conversas, gostaria de lhe perguntar se efectivamente a encontrou. Parece-me que sim.

Hugo: - O meu pai tinha razão, eu achei a minha ilha do tesouro. Achei-a no meu mundo interior, nos meus encontros, no meu trabalho. Passar a minha vida com um mundo imaginário foi a minha ilha do tesouro. Claro, é verdade que os mundos que eu visito ao sabor das minhas buscas podem por vezes ser julgados pueris ou inúteis, tão distantes se acham das preocupações quotidianas, mas quando hoje penso naqueles que me acusavam de ser inútil, e no que eles julgavam ser útil, então, perante eles, não tenho apenas o prazer de ser inútil, mas também o desejo de ser inútil

quinta-feira, junho 08, 2006

76ª Feira do Livro do Porto – Café Literário - Diálogo de Gerações – Sexta Feira – 2 de Junho, 18h30 – Augustina Bessa Luís e Inês Pedrosa

Este “post” já vem atrasado, uma vez que 2 de Junho já foi há muito tempo (não foi mas parece), mas lembro-me tão bem da conversa que assisti (ou monólogo) que me apeteceu deixar aqui um comentário.

Eram precisamente 18h30 quando cheguei ao Pavilhão Rosa Mota, angustiada pela possibilidade de ter de assistir à “conversa” de pé. Mas tal não aconteceu, havia ainda imensas cadeiras por onde escolher. Algumas pessoas da mesa ao meu lado esperavam nervosamente e em silêncio com bloquinho e caneta na mão, quais fiéis receptores de informação importantíssima. Outras pessoas conversavam animadamente com o desconhecido do lado, comentando a impossibilidade de comparência da escritora Augustina Bessa Luís, em contradição ao que os altifalantes do recinto anunciavam. Outros ainda comentavam as obras das duas escritoras, como a História de Portugal escrita à maneira da Augustina, que pelos vistos se encontra muito romantizada mas factualmente muito bem conseguida. Eram 19h00 e ainda nenhuma das escritoras tinha chegado. E estava aquele calor sufocante. Os espectadores cansados de conversar e sem saber para onde olhar entretinham-se com as teclas do telemóvel ou saboreavam os livros que tinham acabado de adquirir. Às 19h30 chega finalmente Inês Pedrosa, um pouco afogueada, azul acetinada, que justifica o seu atraso pelo comboio. Confirma-se a não vinda de Augustina e sente-se a desilusão dos presentes. Como se sairá sozinha Inês Pedrosa num suposto diálogo de gerações? Aparentemente saiu-se muito bem. Aliás, aquela escritora tem uma capacidade de comunicação que lhe permite falar, falar, falar sobre temas interessantes sem que ninguém tenha de dar corda. Inês fala de imensas coisas, de Augustina, dos seus livros, do seu método de trabalho, ainda por cima com muitas piadas pelo meio. Acho que podia ficar a ouvi-la horas a fio. Imagino-a como uma “professora-ídolo”, como aqueles professores que se revelam autênticos exemplos e que nos estimulam a aprendizagem e a curiosidade de uma forma muito natural. Tal como Augustina Bessa Luís influenciou Inês Pedrosa, penso que Inês Pedrosa também poderia inspirar e influenciar potenciais escritores e leitores. Vou citar só algumas das ideias que Inês transmitiu e que me ficaram.

- A capacidade de Augustina evoluir na sua escrita com a idade e aceitar desafios complicadíssimos, sendo que a idade torna-a mais desinibida a escrever no sentido de se deixar de preocupar com o que os outros pensam ao ler as obras dela.
- O facto do livro “A Sibila” de Augustina ser imposto como leitura obrigatória aos estudantes do secundário (não sei se ainda o é) quando provavelmente é o menos adequado de toda a sua obra para tal, especialmente quando muitos dos alunos nunca leram uma obra do principio ao fim, de modo que a maioria das pessoas da minha idade fogem dos livros da Augustina como o diabo da cruz (lá ficou no subconsciente a frase dita e repetida “a Augustina é uma seca, não acredito que temos de ler isto”, eu própria ainda não superei essa fase), enquanto que a própria Augustina chegou a dizer numa entrevista que Virgílio Ferreira é “um chato” quando que a obra “Aparição” até é das mais apreciadas no secundário (na minha altura era assim, agora não sei). Inês também contou que Augustina uma vez perdeu uma empregada por ela não querer trabalhar para a autora da obra que lhe impediu de terminar o secundário.
- A forma como as histórias de Inês Pedrosa podem surgir apenas de uma ideia e alguma pesquisa (o “Fazes-me Falta” surgiu num período em que uma série de pessoas que lhe eram chegadas faleceram);
- A forma como outros livros surgiram por ter sabido de uma história tendo a personagem dessa história se instalado na sua mente e ganho vida própria;
- A forma como as suas personagens mudam o rumo da história por iniciativa própria, por uma conversa entre elas ter decorrido de forma que Inês não esperava;
- A curiosidade ser o motor que move a mente de um escritor, e desse modo a grande correlação entre os médicos e a arte (tendo Inês Pedrosa publicado um livro com fotografias de uma médica amiga que fundou as consultas da menopausa em Portugal, não que esta informação seja de grande utilidade, mas ficou-me colada e tive de a escrever para dela me soltar);
- A sua organização mental quando inicia uma obra, sendo o trabalho preparatório a escrita da biografia das personagens, e o cuidado em escrever uma história que realmente possa ter acontecido em termos de exactidão de datas e lugares;
- A incredulidade de um jornalista que uma vez lhe perguntou pela incapacidade de variação do tema dos seus livros, que são sempre sobre o “amor”; o mesmo com “a família” no caso de Augustina;
- O episódio em que um grupo de amigas que leram o livro “Fazes-me Falta” convidou Inês Pedrosa para um jantar para debater algumas dúvidas, e a forma como se entusiasmaram a discutir os personagens esquecendo-se da presença de Inês, permitindo a esta observar como as suas personagens (“ele” e “ela”) se materializaram para um mundo real;

Inês Pedrosa falou, falou e falou, respondeu a algumas perguntas do público presente e no fim autografou os seus livros.
Achei muito interessante a iniciativa, e gostaria muito que este tipo de “conversas” se banalizassem durante o ano inteiro, em todas as cidades onde há pessoas que saibam ler e escrever (também podem ser vilas, aldeias, …). Não precisa necessariamente de ser a Inês Pedrosa ou outro escritor publicado, basta juntar pessoas que gostem de ler e de escrever. Gostaria muito que a cultura do debate se instalasse em oposição à inércia e à inactividade dos passatempos passivos. Pena que as pessoas de uma forma geral sejam tão preguiçosas e só sejam arrancadas de casa com um guindaste (já sei, primeiro temos de ensiná-las a ler e a interpretar…).

terça-feira, junho 06, 2006


Kafka à Beira-Mar - Haruki Murakami

Ora aqui está livro que me deu em que pensar. Fiquei a pensar se com o passar do tempo estarei a perder a sensibilidade literária, isto porque a verdade é que pouco percebi do enredo. O Sr. Murakami deslumbra-me com as situações completamente surreais que cria ao longo da história, as personagens são bastante pormenorizadas, invulgares ainda que estejam presentes no nosso dia a dia (desde o Colonel Sanders da KFC ao Johnny Walker).
Kafka à Beira-Mar é aquilo que eu considero um livro belo. No entanto, o seu conteúdo é demasiado metafórico, tudo tem um duplo (senão triplo) sentido e o leitor acaba por se perder da ideia principal. Existem até mesmo personagens sem qualquer tipo de importância para a história, mas que ficam bem por serem bizarras, como a prostituta que cita Hegel e teve lugar de destaque na descrição do livro mas que surge uma única vez, num livro com mais de 500 páginas e faz uma única citação do famoso filósofo.
O livro cativou-me pela escrita, deu-me prazer de ler mas no final deixou-me uma sensação de vazio.

sexta-feira, maio 26, 2006

76ª Feira do Livro

Estão aí as duas principais feiras do livro do país - de Lisboa e do Porto.

Feira do Livro de Lisboa

Parque Eduardo VII - Pç. Marquês de Pombal
De 25-05-2006 a 13-06-2006

Horário:
Abertura - Segunda a Sexta às 16h00. Sábado, Domingo e feriados às 15h00. No dia 1 de Junho (quinta-feira, Dia Mundial da Criança), às 10h.
Encerramento - Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Domingo às 23h00. Sexta e Sábado às 24h00. Véspera de Feriado e último dia de Feira às 24h.

Feira do Livro do Porto

Pavilhão Rosa Mota - R. D. Manuel II - Edifício Palácio de Cristal
De 24-05-2006 a 11-06-2006

Horário:
Abertura - Segunda a Sexta às 16h00. Sábado, Domingo e feriados às 16h00. No dia 1 de Junho (quinta-feira, Dia Mundial da Criança), às 10h.
Encerramento - Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Domingo às 23h00. Sexta e Sábado às 24h00. Véspera de Feriado e último dia de Feira às 24h.

Mais informações no site da apel.

domingo, maio 14, 2006



"Bilhete de Identidade - Memórias 1943-1976" Maria Filomena Mónica- Aletheia Editores

Será "Bilhete de Identidade" um acto de coragem pelo facto de Maria Filomena Mónica desnudar a sua vida privada ou um exercício egocêntrico? Não gosto em especial desta autora (talvez a conheça pouco), mas algumas das crónicas escritas por ela no Jornal Público foram-me insuportáveis, devido ao seu estilo arrogante incapaz de se colocar na perspectiva do Outro. Esta postura perpassa igualmente no livro pela forma com ajuíza os acontecimentos da história de sua vida. Este tipo de individualismo só é possível nos diversos contextos em que Maria Filomena Mónica se moveu, contextos esses muitos homogéneos, sendo que as escolhas pessoais (mesmo em acontecimentos supostamente mais dramáticos) provavelmente não seriam viáveis fora dos mesmos. Por isso o seu espírito de independência, de não alinhamento e a procura de vias não conformistas surgem na minha opinião relativizados. Entramos no conhecimento das famílias da alta burguesia, nas pequenas histórias familiares decorridas ao longo do estado novo, nos seus modelos acríticos e castradores de educação e formação e posteriormente no modo como se forjou o seu pensamento na rigorosa mas livre universidade de Oxford e que vem a orientar posteriormente a sua intervenção intelectual.

É um livro de memórias escrito de forma racionalista e que li com agrado, porque remete para personalidades conhecidas e sempre permite algum voyerismo. Contudo, o livro não merece a publicidade que lhe foi feita.

Posted by Kiwi

domingo, abril 30, 2006

Jane Austen - Pride and Prejudice - Oxford University Press

"I might as well enquire, why with so evident a design of offending and insulting me, you chose to tell me that you liked me against your will, against your reason, and even against your character? Was not this some excuse for incivility, if I was uncivil? But I have other provocations. You know I have. Had not my own feelings decided against you, had they been indifferent, or had they even been favourable, do you think that any consideration would tempt me to accept the man, who has been the means of ruining, perhaps for ever, the happiness of a most beloved sister?" (em resposta a pedido de casamento)
"She is tolerable, but not handsome enough to tempt me." (quando Mr Darcy vê pela primeira vez Elizabeth)
"Miss Bennet, I insist on being satisfied!" (Lady Catherine a pedir a Elizabeth para não aceitar qualquer proposta de Mr. Darcy)
Continuando a minha formação em inglês, resolvi experimentar Jane Austen e qual foi o meu espanto em constatar que não é nada difícil de ler. Existem de facto algumas palavras cujo significado é completamente diferente, como "consequence" (importância), "make love" (é praticamente jogar cartas), para além de muitas palavras a que estamos habituados a ver como apenas uma se escreverem como duas ("for ever"). Claro que muitas expressões passam ao lado de quem não seja um "expert" em literatura inglesa. Por exemplo, quem é que iria adivinhar que "come upon the town" é tornar-se prostituta, pelos vistos um destino muito provável para as rapariguinhas que não se dão com os pais? Dá para ter uma ideia da complexidade deste romance por:

http://www.pemberley.com/janeinfo/pridprej.html#pride

Desenganem-se se acham que daqui vai sair uma história inocente. Não é lamechas nem cor-de-rosa, a não ser que se considere tudo o que seja referente ao estilo de vida de 1813 como cor-de-rosa (o que não é), tal a diferença de prioridades que existe em relação aos dias de hoje (não é que actualmente também não existam pessoas fúteis). É fácil entender o tipo de enredo que poderá provir deste livro. A mãe chata cujo maior objectivo da vida é desencalhar as filhas, as filhas que anseiam pelo golpe do baú, a desconfiança em relação aos que não se sabem comportar em sociedade ou daqueles "que têm a mania" ou ainda que são espalhafatosos, a vergonha em relação à família por comportamentos que até são previsíveis (hoje em dia toleráveis), etc. Mas não é o enredo que interessa na escrita de Jane Austen, é a qualidade na construção das personagens com todos os seus defeitos e virtudes numa época em que para se dizer uma frase em público é necessário pensar em todas as consequências que dessa frase poderão provir. É muito interessante verificar a mudança das personagens principais, Mr Darcy (Orgulho) e Elizabeth Bennet (Preconceito). Estas personagens descobrem como os seus defeitos as impedem de obter felicidade e dão a volta ao enredo sem nunca deixarem de ser elas próprias, ou seja, o leitor é induzido a pensar de um modo até descobrir que afinal não sabe interpretar carácteres. As pessoas são complicadas em todas as épocas, em contextos diferentes. Porque afinal o orgulho e preconceito até nem existiam assim tanto como isso.

Muito interessante (demora um bocadinho a ler, 300 páginas, mas o interesse vai crescendo, uma vez que a principio acontecem poucas coisas). Agora só falta ver o filme.



Abriu a FNAC em Coimbra!!!!!!!!!

Finalmente, uma Fnac a menos de 200 km de casa!

Oba Oba!!!

: ))

quarta-feira, abril 19, 2006


Runaway - Alice Munro

"Read Munro! Read Munro!"
Jonathan Franzen

Segundo Jonathan Franzen, cuja crítica no The New York Times Book Review aparece como introdução ao último livro de Alice Munro, é extremamente difícil criticar livros de contos, porque um pequeno resumo pode estragar por completo o prazer da leitura, e os desta escritora canadiana (que só escreve contos) são particularmente difíceis de criticar, uma vez que não falam sobre "temas", mas apenas sobre pessoas.

Sendo assim, vou-me limitar a dizer que Runaway me surpreendeu pela positiva (dado que não conhecia a autora). São 8 contos, alguns deles interligados, sobre pessoas muito diferentes, embora as protagonistas sejam invariavelmente mulheres. Em todos eles há um tema recorrente de fuga (daí o título), mas nem sempre é esse o aspecto mais importante.

Espreitando a vida destes personagens extraordinariamente credíveis, complexos e ambíguos (como os verdadeiros seres humanos), Munro capta habilmente as peculiaridades da existência de cada pessoa e simultaneamente a universalidade das suas angústias, revelando a enorme distância que vai entre o que as coisas são e o que nós gostaríamos que elas fossem.

Infelizmente por cá não se editam muitos livros de contos (ultimamente já se vão editando alguns), mas seria interessante que os leitores portugueses pudessem descobrir que há mais escritores canadianos para além da Margaret Atwood. Por enquanto, a escrita subtil de Alice Munro apenas está disponível em inglês (na FNAC, para variar).

quarta-feira, março 22, 2006


We Need to Talk About Kevin - Lionel Shriver

"So they say you're a troubled boy
Just because you like to destroy
All the things that bring the idiots joy
Well, what's wrong with a little destruction?"

Franz Ferdinand

Kevin Katchadourian nunca gostou do mundo. Enquanto bebé não fazia outra coisa senão chorar, em criança não gosta de brincar e acha tudo estúpido e aborrecido, revelando um profundo desprezo por tudo o que tem algum significado para as outras pessoas; até que na adolescência vai ser o protagonista de um massacre na escola (como o de Columbine).

Porquê?

Será culpa dos pais? Será que foi por a mãe nunca conseguir gostar dele, apesar de passar a vida a tentar? Será por o pai não aceitar o filho que realmente tem, preferindo acreditar num filho idealizado? Será que se pode realmente atribuir culpa a alguém, para além do próprio Kevin?

Este é, acima de tudo, um livro sobre a maternidade, sobre porque é que as pessoas decidem ter filhos e quais as alterações que isso traz às suas vidas; o papel dos pais na educação dos filhos, e as limitações desse papel. Os próprios pais podem por vezes tornar-se joguetes nas mãos de uma criança esperta, capaz de "dividir para reinar", aliando-se a um ou outro dos pais para obter sempre o que quer.

Há também outras questões mais profundas que são levantadas, como a natureza do mal e o grande vazio que existe na sociedade moderna, que tornam este livro muito mais do que apenas uma história sobre um assassino adolescente.

Contado sob a forma de cartas que a mãe de Kevin escreve ao marido, após a prisão do filho, este é um livro excepcional, embora nem sempre agradável (há duas cenas que são particularmente cruéis), que era importantíssimo que fosse editado no nosso país (haverá alguém da Cavalo de Ferro, por exemplo, a ler isto?). Entretanto, é possível encontrar a versão original à venda na FNAC.

quarta-feira, março 15, 2006

Nas Tuas Mãos - Inês Pedrosa - Publicações Dom Quixote

Inês Pedrosa fala do amor, exclusivamente sobre o amor e fá-lo através de três mulheres de diferentes gerações. A mulher mais nova, no vazio dos seus sentimentos num hoje complexo e difícil de sintonizar, vai-se identificando com as vivências de uma avó que vivendo fora da história está para além dos preconceitos, das certezas, das imperfeições e dos ressentimentos, nessa diferente forma de estar. Filha e neta serão as mulheres de hoje, cansadas de procurar o impossível e herdeiras de uma ausência que está para além da liberdade e do seu controle. O que marca em especial o romance é uma história de homosexualidade escondida e que paradoxalmente não é vivida pela mulher como rejeição/traição, mas eroticamente através da sincronização dos desejos.
Inês Pedrosa não gostará de ser reduzida a escritora no feminino - a literatura é feminina e masculina - agora uma coisa é certa: só uma mulher poderia escrever este livro.
Posted by Kivi

quinta-feira, março 09, 2006

Alimentos Trangénicos – Um Guia Para Consumidores Cautelosos – Margarida Silva – Universidade Católica Editora, Campusdosaber3

Apesar de ter lido este livrinho por interesse profissional, aconselho-o vivamente a todas as pessoas (as que andam a dormir, as que querem acordar e os naturalmente interessados pelo que se passa no mundo). Cada vez mais temos de adquirir a capacidade de aprender a “filtrar” a informação que nos é vendida pelas autoridades governamentais e entendê-la nos contextos políticos actuais.

Não me encontro em condições de criticar o livro em causa, porque não faço investigação na área nem li toda a informação disponível sobre os alimentos trangénicos (OGM = organismo geneticamente modificado), mas o meu senso comum não pode deixar de concordar com o que a autora diz em relação a todas as implicações que os OGM poderão ter na saúde humana, no ambiente, na sociedade e na agricultura. O livro é muito pequeno, lê-se num instante e tem uma linguagem acessível para quem não entenda de engenharia genética.
Deixo aqui uma amostra para terem uma ideia (Capítulo 4 - Quais são os riscos dos alimentos trangénicos para a saúde humana?).

“Se os OGM estivessem a ser desenvolvidos para ajudar a alimentar os que não têm comida (e que são quase mil milhões), então deveriam estar a aparecer sementes com certos tipos de características: capacidade para crescer em solos pobres e climas agrestes, com maior conteúdo proteico por hectare, sem necessidade de fertilizantes, pesticidas, regas ou maquinaria cara, com características que favorecessem as pequenas explorações em detrimento dos latifúndios, baratas e próprias para alimentar pessoas em vez de animais. Nestas regiões a sobrevivência prende-se com um conhecimento íntimo de características únicas em termos de clima, estação, topografia, solo, biodiversidade, acesso aos mercados e demais recursos, num equilíbrio difícil em que as condições de produção máxima raramente ocorrem. A segurança do agricultor passa pela sementeira de múltiplas variedades de cada espécie, algumas das quais só existem localmente, e cuja valia não deriva tanto da produtividade mas da robustez. Mas aquilo que se verifica, a avaliar pelas variedades já comercializadas, é um investimento das empresas de biotecnologia precisamente na direcção oposta. A actual geração de sementes trangénicas requer solos de alta qualidade, grandes investimentos em maquinaria e químicos, está pensada sobretudo para rações animais e apresenta, pelo menos nalguns casos, uma produtividade inferior à das variedades convencionais.

A posição de que os alimentos trangénicos podem contribuir decisivamente para acabar com a fome nos países mais desfavorecidos assume implicitamente duas premissas:

-há falta de comida nos mercados nacionais e internacionais,
- com os OGM produz-se mais comida.

Nenhuma destas premissas está correcta, nem nunca esteve.

O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas estima que neste momento existem tantos alimentos disponíveis que dá para alimentar toda a população humana e ainda sobra um terço do total. A FAO, um outro organismo das Nações Unidas, estima que 80% das crianças com fome no terceiro mundo vivem em país com excedentes agrícolas. Não se trata portanto de um problema de falta de produção: nos mesmos países do Corno de África em que a fome ao longo da década de 1980 matou mais de 300 mil pessoas, mantiveram-se as exportações de algodão, linho e cana de açúcar (produzidos nas terras mais férteis) para os países mais desenvolvidos. No Brasil, o terceiro maior exportador mundial de comida, continuam a morrer perto de 100 mil crianças anualmente devido à fome e a causas relacionadas com a má nutrição.

O aumento de produção, aliás, pode resultar num aumento de privação. Na Costa Rica a produção de carne duplicou entre 1959 e 1972, mas o seu consumo per capita diminuiu 37 por cento no mesmo período. A carne foi exportada, em parte para alimentar os animais de estimação do primeiro mundo. Na América do Sul a fome aumentou 19% entre 1970 e 1990 embora a produção alimentar per capita tenha aumentado 8% no mesmo período. Isto significa que aumentou a comida disponível para cada pessoa, em média, e portanto a fome devia ter diminuído, nunca aumentado.
A causa principal da fome é a falta de acesso à comida – pobreza – e não a falta de comida à venda. Num mundo globalizado tornou-se mais normal produzir alimentos para quem vive do outro lado do mundo e pode pagar, do que vendê-los ao vizinho do lado que é pobre e não consegue competir em poder aquisitivo. É o leilão global e quem não tem dinheiro não pode arrematar para comer, seja ou não trangénico.

(…)

Se há fome é porque há quem lucra com isso, quem faça negócio disso, e os OGM não vão alterar a situação. Melhor que ninguém, Steve Smith, um dos executivos da Novartis (agora Syngenta), explicou numa conferência pública em Março de 2000: «Se alguém vos disser que a biotecnologia vai acabar com a fome no mundo, digam-lhe que não vai. Alimentar o mundo exige vontade política e económica, não é uma questão de produzir e distribuir.»
A falta de vontade política está a sentir-se noutras frentes. Os centros internacionais de investigação e melhoramento convencional de espécies agrícolas (CYMMIT no México e IRRI nas Filipinas, por exemplo) têm visto os seus orçamentos encolher drasticamente nos últimos anos devido ao desinteresse dos países doadores. A selecção de novas variedades por métodos tradicionais é vista como uma metodologia ultrapassada, fora de moda, ao passo que a engenharia genética atrai cada vez mais atenções e financiamentos.
Do mesmo modo o desenvolvimento de metodologias alternativas também desperta pouco ou nenhum interesse. Conhecimento, saber-fazer, boas práticas agrícolas, tudo isso representa um mau negócio: por um lado não se pode vender aos mesmos agricultores ano após ano (como as sementes e os herbicidas), por outro lado contribuirão para tornar os agricultores progressivamente independentes dos interesses comerciais predadores. E isto pode ser bom para acabar com a fome no mundo, mas é péssimo para o lucro das grandes empresas".

segunda-feira, março 06, 2006






Mutts III - "Mais Coijas" - Patrick McDonnell

Earl e Mooch, a mais divertida e ternurenta dupla de animais de BD, sendo quase tão digno como o inesquecível Calvin e Hobbes.

Para rir, rir, rir, rir, rir, rir, rir, rir (elevado ao número de tiras). Claro que só serve para quem gosta do género! Só existem ainda três livros publicados.

Ian McEwan – Sábado – Gradiva

Este livro relata o dia de 15 de Fevereiro de 2003 (sábado) da vida de Henry Perowne, neurocirurgião de sucesso, marido dedicado de Rosalind (advogada) e pai de dois filhos maravilhosos, Daisy (poetisa culta) e Theo (músico descomprometido). O Sábado de Henry começa com reflexões em relação ao terrorismo numa Londres desconfiada de pós 11 de Setembro, continua com uma descrição de uma cirurgia bem sucedida, com uma ida ao squash e considerações sobre a idade, com a visita da mãe com Alzheimer ao lar, com a apresentação de algumas músicas em estúdio do filho Theo e finalmente com um jantar de família. O dia de 15 de Fevereiro é ainda marcado pela manifestação anti-invasão do Iraque e com as respectivas discussões familiares do tema em tom de conflito geracional amigável e ainda por um incidente com o delinquente Baxter e respectivas considerações sobre o papel da sociedade nestes casos sem solução, sempre num tom paternalista e de superioridade da parte de Henry que se considera um privilegiado em termos de sanidade mental, sucesso profissional e sentimental.

Henry consegue ser muito irritante, a personagem é demasiado perfeita, levando o leitor a tentar encontrar falhas nas suas reflexões ao longo do livro. Nota-se alguma discrepância entre a opinião de Henry e a do escritor, que constrói esta personagem com o intuito de demonstrar ao leitor a sua invenção de “homem de sucesso”, em que os seus defeitos são praticamente aceites como virtudes numa sociedade em que as pessoas não param para pensar e reflectir sobre si dum modo tão perfeccionista. Entramos na intimidade de Henry quase que demasiadamente, chegando o escritor a levar ao exagero este acompanhamento da personagem a cada minuto num sábado tão longo. Por exemplo, a sequência do jogo de squash é detestável de tão pormenorizada (o que é que me interessa que a bola vá para a direita ou para a esquerda), mas necessária segundo o escritor que nos quer à força colocar dentro da cabeça de Henry (será por isso que ele é neurocirurgião)? A família de Henry é enjoativamente perfeita ou se calhar não, mas é assim que Henry a vê. Esta felicidade inabalável é tão irritante que estive a ponto de abandonar o livro a meio, por entre todos os episódios de “chacha” daquele sábado. As opiniões de Henry também não trazem nada de novo ao leitor, a única coisa que penso que interessa nem é o seu conteúdo dessas opiniões e pensamentos, mas o modo como elas representam uma intimidade que é inacessível na maior parte das pessoas.

Apesar de não ter gostado particularmente de “Sábado” tenho de admitir que existem poucos escritores com a capacidade de expressão de Ian McEwan, especialmente em relação a sentimentos pessoais que dificilmente são explicados de maneira tão clara. A escrita do final foi muito bem conseguida, quase que vale a pena forçar uma leitura de “Sábado” só por causa das reflexões finais. Mesmo assim é um livro que se esquece passados uns dias.

O melhor do livro: a amplitude de temas que são abordados, a actualidade dos temas abordados, a escrita e capacidade de expressão excepcional de Ian McEwan.

O pior: a história e as personagens irritantes.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Prenda de Aniversário da Ssachy
Tive uma vontade tremenda de colocar aqui este post, um hino aos amigos que o meu caríssimo tio declamou no último aniversario dele. Vou assim aproveitar e dedicá-lo a todos os meus amigos eternos que fizeram ou não anos esta semana.
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Amigos Meus...
Eu creio, malgrado tudo, na vida generosa que está por aí; creiono amor e na amizade; nas mulheres em geral e na minha em particular; nas árvores ao sol e no canto da juriti; no uísque legítimo e na eficácia da aspirina contra os resfriados comuns.
Sou um crente – e por que não o ser? A fé desentope as artérias; adescrença é que dá câncer.
Pelo bem que me quereis, amigos meus, não vos deixeis morrer.Comprai vossas varas, vossos anzóis, vossos molinetes, e andai à Barra em vossos fuscas a pescar, a pescar, amigos meus! – que se for para engodar a isca da morte, eu vos perdoarei de estardes matando peixinhos que não vos fizeram mal algum.
Muni-vos também de bons cajados e perlustrai montanhas, parando para observar os gordos besouros a sugar o mel das flores inocentes, que desmaiam de prazer e logo renascem mais vivas, relubrificadas pelaseiva da terra.
Parai diante dos Véus-de-Noiva que se despencam virginais, dos altos rios, e ride ao vos sentirdes borrifados pelas brancas águas iluminadas pelo sol da serra.
Respirai fundo, três vezes o cheiro dos eucaliptos, a exsudar saúde, e depois ponde-vos a andar, para frente e para cima, até vos sentirdes levemente taquicárdicos.
Tomai então uma ducha fria e almoçai boa comida roceira, bem calçada por pirão de milho. O milho era o sustentáculo das civilizações índias do Pacífico, e possuía status divino, não vos esqueçais!
Não abuseis da carne de porco, nem dos ovos, nem das frituras, nem das massas.
Mantende, se tiverdes mais de cinquenta anos, uma dieta relativa durante a semana a fim de que vos possais esbaldar nos domingos com aveludadas e opulentas feijoadas e moquecas, rabadas, cozidos, peixadas à moda, vatapás e quantos.
Fazei de seis em seis meses um check-up para ver como andam vossas artérias, vosso coração, vosso fígado.
E amai, amigos meus! Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros deveres, este, sagrado, do amor.
Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém.
Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.
Mas sobretudo não morram, amigos meus!
Vinicius de Moraes in Para uma menina com uma flor (crónicas), 1965

domingo, janeiro 22, 2006

New Writing 13
(editado por Toby Litt e Ali Smith - British Council/Picador)

'I don't want to get dressed. I'm sick of getting dressed.'
'But you're naked,' he said. 'It's not normal.'
'Look at me,' Lindsay said. 'Do I look fucking normal?'
'You would,' he said, 'if you got dressed.'

Esta é uma selecção do que melhor se escreve hoje em língue inglesa. São principalmente contos, mas também poemas, excertos de romances, e um ou outro texto de não ficção, já para não falar do diálogo entre uma célula cancerosa e outra saudável (Corgo and Beau, de Edwin Morgan), e textos inclassificáveis como Stories for a Phone Book, de Steven Hall.

A maior parte das histórias foca as relações humanas, especialmente entre casais. Há duas histórias que podem ser consideradas ficção científica (ambas excelentes): Deep Blue Sea, de Peter Hubbs e Novel, de A. S. Irvine, uma história delirante sobre o futuro da produção literária. Esta foi uma das minhas histórias favoritas, juntamente com A Little Nest of Pedagogues, de Fay Weldon (uma revisão da clássica figura da destruidora de lares de ar inocente). Mas a melhor de todas, na minha opinião, é Hangman, um conto divertidíssimo e muito perspicaz sobre a gaguez, que capta na perfeição os pequenos (enormes) dramas da infância.

'What's your name?' I asked. Not able to take the stillness.
'Why?'
'Just passing the time.'
'It will pass any way.'

Na poesia, Ramona Herdman captou a minha atenção com a sua sinceridade e originalidade, e Gerard Woodward demonstrou que é possível escrever ficção científica em poesia. O pequeno ensaio de Lawrence Norfolk sobre a relação entre música e escrita também acerta em cheio: "One can write to certain kinds of music; others not. But which? And why? These are troublesome questions for writers."

"Making coffee and smoking are good ways to waste time. Reconfiguring the computer, sharpening pencils and answering emails are better. (...) But best of all is deciding what to put on the stereo."

Resumindo, é um livro sumarento, capaz de agradar a vários tipos de público; que inclui escritores muito diferentes, mas todos seleccionados pela sua qualidade.
Alguns dos textos podem ser encontrados online aqui, mas não por muito tempo.