segunda-feira, junho 12, 2006

Hugo Pratt – O desejo de ser inútil – Memórias e Reflexões – Entrevistas com Dominique Petitfaux – Relógio de Água

“Hugo Pratt, o homem que criou a lenda de Corto Maltese, tornou-se ele próprio uma lenda. Este livro, profusamente ilustrado e publicado poucos anos antes da sua morte, explora os mistérios da sua vida.”

Já não lia um livro tão entusiasmante há muito tempo. Aliás, de todos os livros que referenciei aqui no blog, nenhum me deu tanto prazer a ler como este. Se calhar eu não sou a pessoa ideal para escrever um comentário a este livro, porque sou fã das aventuras de Corto Maltese. Hugo Pratt não é Corto Maltese, embora partilhe alguns dos gostos, como as lendas, a cultura esotérica, a história e as mulheres. Passou a sua vida a viajar, movido pelo espírito da curiosidade e pela busca da verdade inantingível, sendo os seus guias de viagens os livros de histórias e de poesia (Rimbaud, Kipling, Coleridge, Yeats, Chrétien de Troyes, Shakespeare, Octávio Paz, Jack London, Curwood, Zane Grey, Kenneth Roberts, Traven, Edgar Wallace, Henry Rider Haggard,…). As memórias de todos os sítios por onde passa são transcritas para banda desenhada (é a sua câmara fotográfica). Quando existem hiatos históricos, Hugo desenha ele próprio a realidade.

Ao longo do livro (sob a forma de entrevista) Hugo descreve todos os lugares por onde passou e as suas ideias em relação a determinados temas. Sendo absolutamente polivalente e sempre aberto a novas experiências, Hugo viveu em Itália (Veneza), Etiópia (onde o pai combateu), Argentina, Londres, França e Suiça. Teve amigos e mulheres de todos os tipos e raças (só gostava de pessoas interessantes e não criticava ninguém pelas actividades amorais).

Aconselho este livro a todas os fãs de Corto Maltese. Os que nunca leram as suas aventuras poderão correr o risco de desgostar do livro e de não acreditar em metade do mundo interessante e fascinante que Hugo relata. Quando se tornou famoso, muitos criticos acusaram-no de fascista (apesar de ser absolutamente contra a guerra que lhe matou muitos entes queridos e de recusar qualquer forma de discriminação). Hugo Pratt teve uma vida aparentemente instável e perigosa, mas mostra-se na entrevista como uma pessoa coerente dentro dos contextos em que viveu, tendo aprendido e evoluído com o que o mundo lhe mostrou.

D. Petitfaux: - Referiu que as palavras do seu pai, quando ele lhe ofereceu A Ilha do Tesouro de Stevenson, foram: “Também tu, um dia, acharás a tua ilha do tesouro.” Para concluir estas conversas, gostaria de lhe perguntar se efectivamente a encontrou. Parece-me que sim.

Hugo: - O meu pai tinha razão, eu achei a minha ilha do tesouro. Achei-a no meu mundo interior, nos meus encontros, no meu trabalho. Passar a minha vida com um mundo imaginário foi a minha ilha do tesouro. Claro, é verdade que os mundos que eu visito ao sabor das minhas buscas podem por vezes ser julgados pueris ou inúteis, tão distantes se acham das preocupações quotidianas, mas quando hoje penso naqueles que me acusavam de ser inútil, e no que eles julgavam ser útil, então, perante eles, não tenho apenas o prazer de ser inútil, mas também o desejo de ser inútil

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