quarta-feira, dezembro 26, 2007

Viagens no Scriptorium - Paul Auster


É um romance que sai do plano da realidade e dá poderes à imaginação. Passa-se num espaço e tempo não objectivamente identificados, mas que não podemos deixar de associar a acontecimentos político-sociais recentes, a regiões conhecidas e à história da América. Algumas das personagens vieram de outros livros seus, mas na minha opinião, tal não se revela importante para a compreensão do livro. É uma história enigmática de um homem velho, que ficou sem memória devido à medicação a que é forçado, e que foi colocado, por erros cometidos na sua vida, num quarto-prisão e que vai construindo a sua história à medida do que vai conseguindo recordar. Este homem Mr. Blank (vazio) está também prisioneiro de si próprio, porque na sua provação não consegue reagir. Trata-se de uma história intrincada, algo inverosímil, em que se aguarda com entusiasmo o desfecho e a clarificação do enigma, mas no final (última página) o autor descarta-se e entra no território da metafísica. Não me soube bem esta solução, não estava preparada para isto.

Kivi

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Os Melhores de 2007 - Segundo o Público
(Ípsilon - Sexta-feira 21 de Dezembro 2007)

1 - Uma Grande Razão: os Poemas Maiores - Mário Cesariny (Assírio & Alvim)

Vários livros desta lista, incluindo o primeiro lugar, são poesia. Nada contra, mas a poesia é sempre uma escolha muito pessoal. Eu por exemplo escolheria a recente edição dos Sonetos a Orfeu e Elegias de Duíno, de Rainer Maria Rilke, traduzidos por Vasco Graça Moura (Bertrand), mas é uma escolha igualmente pessoal.

2 - Pais e Filhos - Ivan Turgeniev (Relógio d'Água)

Nunca ouvi falar, mas pareceu-me interessante, talvez vá investigar mais.

3 - A Modernidade - Walter Benjamin (Assírio & Alvim)

Também não li, mas parece-me uma boa escolha. Um livro que também me parece interessante sobre o tema do modernismo é The Lure of Heresy, de Peter Gay (crítica do Los Angeles Times)

4 - Memórias - Raymond Aron (Guerra & Paz)

Não me interessa particularmente.

5 - A Morte de Theo Van Gogh - Ian Buruma
(Presença)

Este recomendo o mais possível. É um livro que consegue abordar as questões do terrorismo, dos imigrantes muçulmanos não integrados nas sociedades europeias, do fanatismo religioso, tudo isto sem ser panfletário, sem falsos moralismos, e sem demasiadas vénias ao "relativismo cultural". É uma espécie de grande reportagem sobre o assassinato de um polémico realizador de cinema holandês, por um fanático islâmico. Ao longo do livro vamos conhecendo várias personagens, desde o próprio Theo Van Gogh (nada simpático), até Ayaan Hirsi Ali (cuja biografia Uma Mulher Rebelde se encontra igualmente editada pela Presença), passando por muitos outros. Um livro importante e que se lê rapidamente.

6 - Na Praia de Chesil - Ian McEwan (Gradiva)

Parece-me ser um livro bom, mas ainda não o li porque acho que deve ser muito deprimente. É sobre um casal que se separa logo na noite de núpcias, por uma série de mal-entendidos.

7 - A Estrada - Cormac McCarthy (Relógio d'Agua)

Segundo o público, dava um bom filme. Vou esperar pelo filme.

8 - Metamorfoses - Ovídio (Cotovia)

Desta lista, este era o que eu mais gostava de encontrar no sapatinho. Quase todas as histórias da mitologia grega e romana chegaram até nós através desta obra de Ovídio. Se o Pai Natal não mo trouxer, lá vou ter eu que o comprar...

9 - Tudo o Que Sobe Deve Convergir - Flannery O'Connor (Cavalo de Ferro)

A primeira mulher da lista! (Aparecem apenas 3, numa lista que me parece ser demasiado masculina. Então e a Doris Lessing, que acabou de ganhar o Nobel? E a Zadie Smith, de quem acabou de sair em Portugal Uma Questão de Beleza?) Mas não é por isso que me dá grande vontade de o ler. Neste momento não me apetece nada ler sobre o racismo no Sul dos Estados Unidos. Talvez noutra altura.

10 ex-aequo As Benevolentes - Jonathan Littell (Dom Quixote)

Este saiu há pouco, por isso suspeito que ainda vai ser muito falado. Não me apetece lê-lo não só por ser muito grande (para grandes épicos, prefiro os antigos), mas também porque não estou com vontade de ler um livro enorme sobre o Holocausto (por muito relevante que seja).

10 ex-aequo Século Passado - Jorge Silva Melo (Cotovia)

Isto não me interessa mesmo nada.

12 - O Que Foi Passado a Limpo. Obra Poética (1965 - 2005) - Armando Silva Carvalho (Assírio & Alvim)

Mais poesia. Só experimentando.

13 - Colecção da Obra Essencial de Pessoa - edição de Richard Zenith (Assírio & Alvim)

Seria impossível não considerar esta uma edição essencial de 2007.

14 - Todo-o-Mundo - Philip Roth (Dom Quixote)

É um óptimo livro, já recomendado neste blog. Só tenho uma coisa a apontar: era desnecessário dar-lhe um título em português do Brasil. Quanto ao resto da tradução não sei, porque li apenas o original, mas acho péssima a escolha do título. Não será fácil arranjar uma tradução para Everyman, e compreendo que hipóteses como "Todos os homens" ou "Qualquer homem" pudessem ser descartadas por questões de inclusão de ambos os sexos, mas de certeza que havia outras opções. "O Homem", por exemplo. Sei lá. Mas enfim, deve ser para nos começarem a habituar ao ridículo acordo ortográfico que aí vem.

15 - Poesia 1963/1995 - Vasco Graça Moura (Quetzal)

Mais poesia. Nada a dizer.

16 - Aprender a Rezar na Era da Técnica - Gonçalo M. Tavares (Caminho)

Fiquei com curiosidade de ler alguma coisa deste autor.

17 - Shakespeare, Uma Biografia - Peter Acroyd (Teorema)

De uma maneira geral, as biografias não me despertam qualquer interesse. Esta não é excepção.

18 - Orlando Furioso - Ludovico Ariosto (Cavalo de Ferro)

Deve ter o seu interesse, mas dentro dos épicos medievais acho que prefiro o Beowulf (vou a meio). Tem muito mais piada e envolve um dragão. Recomendo a versão em inglês moderno, que mantém uma agradável musicalidade baseada na aliteração de duas a três consoantes em locais específicos de cada verso.
Ah, e não recomendo mesmo nada o filme, apesar das 3 dimensões continua a ser uma porcaria. O monstro é nojento, as personagens são previsíveis até à exaustão, a mãe de Grendel é uma fantasia hollywoodesca com pés em forma de sapatos de salto, e a única coisa vagamente interessante é o dragão.

19 - A Rússia de Putin - Anna Politkovskaia (Pedra da Lua)

Deve ser importante, ou ela não teria sido assassinada. Dito isto, não me apetece ler o livro.

20 ex-aequo Personas Sexuais - Camille Paglia (Relógio d'Água)

"uma obra provocadora e perturbadora sobre arte e decadência na cultura ocidental, da pré-história à pop". Hmm... nesse tempo todo não deve ter sido só decadência. Digo eu.

20 ex-aequo Gente Independente - Halldór Laxness (Cavalo de Ferro)

É capaz de ser bom. Passa-se na Islândia e pela descrição parece-me muito interessante.
Não é que tenha nada a ver, mas acabei de ler um livro de um escritor nórdico, Lars Saabye Christensen - Beatles - também editado pela Cavalo de Ferro, e adorei. É um livro sobre o crescimento, a adolescência, as primeiras desilusões, o sentimento de nos encontrarmos perdidos no mundo; mas também, os amigos, as primeiras namoradas, o amor, o futuro ainda por abrir.

20 ex-aequo Balada para Sérgio Varela Cid - Joel Costa (Casa das Letras)

Tem a ver com o "mundo português da música erudita". Whatever.

20 ex-aequo Como Falar dos Livros que Não Lemos? - Pierre Bayard (Verso da Kapa)

Para finalizar, um livro que pode ser considerado hipócrita, ou irónico, dependendo do ponto de vista. A mim parece-me um bocadinho parvo. Qual é o interesse de fingir ter lido livros que na realidade não se leu? Deve ter interesse, sem dúvida, para quem se move em círculos pseudo-intelectuais para os quais é requisito essencial ter lido uma série de obras consideradas essenciais mas que na realidade não houve tempo, nem pachorra, para ler. Ora talvez nesses casos seja mais eficaz: a) mudar de círculo de amigos, ou b) mudar de assunto e começar a falar de música, política ou qualquer outro assunto. Ou ainda melhor, falar sobre livros possivelmente menos elitistas mas que lemos realmente, e que podem ter enorme relevância para determinado assunto.
Porque a piada dos livros não é falar sobre eles (OK, também tem alguma piada), é principalmente lê-los. Imergir totalmente em mundos, personagens, situações e ideias diferentes. Acabar um livro e sentirmo-nos uma pessoa diferente. Isso é uma experiência profundamente pessoal. Para Proust, ler era melhor que uma conversa com o autor, era "receber uma comunicação com uma outra forma de pensar, mas permanecendo sozinho, ou seja, continuando a usufruir da capacidade intelectual que temos quando sozinhos e que a conversa dissipa imediatamente" (citação retirada do artigo "Twilight of the Books", do New York Times).

Feliz Natal e Boas Leituras!

domingo, novembro 04, 2007



















Ainda Josie Dew

Q. How much weight are you carrying?
A. 65 kilos including bike but it varies depending on how wet my tent is (usually very) and how much food and water I've got on board (usually lots).
Q. Don't you need an engine to move that lot?
A. No, I like travelling slowly - apart from those times that I wish I was travelling a bit faster.
Q. Isn't it dangerous going downhill with such a load?
A. Not really, it's more a fun feeling akin to freefalling off the edge of a cliff.
Q. That sounds dangerous.
A. Well, maybe a bit, in a dangerously safe sort of way. But I like to think I can stop if I have to.
Q. Have you got the kitchen sink in there as well?
A. Yes, I've got to do the washing up somehow.
Q. (Asked by normal looking person): You're not alone are you?
A. Yes
Q. (Asked by psychopathic serial-killer sort of person): You're not alone are you?
A. No, I have several armed bodyguards up my sleeve.
Q. Don't you find it scary travelling alone?
A. Sometimes. But after 20-odd years of cycling in fits and starts around the world, I've found that most people don't want to kill you, they want to help you.
Q. You must be very brave
A. No, I just like cycling.
Q. Don't you get lonely?
A. No, there's no time to get lonely as there's always a hill to be climbing, or a wind to be fighting, or a map to be reading, or a bike to be oiling, or a banana to be eating, or a sock to be washing, or a letter to be writing, or a stranger with which to be chatting, or a tent to be pitching, or a night to be sleeping, or dreams to be dreaming.
Q. So where do you sleep?
A. Mostly in my tent on beaches, behind hedges, up mountains, in temples, in campsites, in forests, in floods. Sometimes I stay with friends or people I meet or treat myself to a hostel or B&B.
Q. How far do you cycle a day?
A. Anything from 10 miles to 100 miles.
Q. Do you get a lot of problems with your bike?
A. So far, no.
Q. What do you do when you get a puncture?
A. Mend it.
Q. What do you do when it rains?
A. Get wet.

sábado, novembro 03, 2007


Josie Dew – Pelo Mundo em Bicicleta

Se existe outra maneira de ver menos de um país do que a partir de um carro, ainda não a experimentei.” – Eric Newby – A Short Walk in the Hindu Kush

Como o próprio título indica, trata-se de um travel book (ou bike-travel book) que me veio parar às mãos e que sem me aperceber, acabei por devorá-lo em muito pouco tempo. Josie é bastante aventureira e “quase masoquista”, ao andar quilómetros e quilómetros, sozinha ou acompanhada, por locais como a Índia, Islândia (brrr), Roménia, Marrocos, Portugal (lol), etc. Quando vai sozinha e pelo facto de ser mulher e britânica, causa bastante curiosidade e acaba por interagir muito com as populações locais, dando-nos o ponto de vista não do turista mas do viajante observador. Claro que surgem dificuldades, quer acidentes viários, pessoas perigosas/exibicionistas, problemas de saúde quando não existem hospitais de confiança por perto, falta de comida, mas tudo isto faz parte da aventura não servindo para que Josie desista do vício de bicicletar. Fui à página de Josie para saber se passado todo este tempo ela ainda tinha pernas para continuar, e para meu espanto descobri que teve uma filha e que agora bicicla acompanhada pela mesma. Valente!

http://www.josiedew.co.uk/

quinta-feira, outubro 11, 2007


Doris Lessing
(by Mark Gerson, 1956)
Vencedora do Nobel da Literatura 2007
"Think wrongly, if you please, but in all cases think for yourself."

segunda-feira, outubro 08, 2007



Quem Nos Faz Como Somos - J. L. Pio Abreu
É de novo a satisfação de ler um livro designadamente científico – é assim que Pio de Abreu entende e muito bem a ciência, e em que facilmente nos sentimos envolvidos. O livro é agora repartido em capítulos relativamente independentes. Não esquecer todavia de estar atento ao último capítulo. É assim que nos vai sendo descrito como somos determinados pelos nossos genes e pela cultura com um sistema alargado de representações sociais, de crenças, de signos, isto é de uma organização social essencial à nossa sobrevivência. O relato que faz das histórias de vida, naturalmente retiradas da prática clínica ilustram como as experiências vividas e sentidas passaram a condicionar o rumo tomado.
Escreve com graça e ironia, com pontos de atracção ao leitor. É uma reflexão ao nosso quotidiano, à invasão selvagem dos media, ao insólito das imagens da televisão que torna as pessoas dependentes de quem lhas fornece, enfim da irremediável cedência do espaço público ao espaço privado. As ofertas das identidades surgem como um perigo da nossa sociedade, por fanatismos míticos e tiranos, por mesmo identidades virtuais que os media transmitem aos consumidores isolados. Por tudo isso “ a labuta humana começa a ser uma luta pela identidade” (sic). Por isso a importância da aquisição de uma entidade ampla, que não abdica da informação e da crítica, nem da gestão equilibrada das diversas identidades e interesses. O homem é assim fruto de uma história civilizacional e biológica, que existe enquanto o outro existe e daí o grande espaço para a comunicação e a interação com os outros, da importância da relação presencial, do olhar nos olhos, do não deslumbramento com aquilo que os media produzem e da valorização da ligação à natureza.

E foi ontem que assisti à apresentação do livro pelo autor no fórum FNAC em Coimbra. Pio de Abreu esteve como eu esperava, pena foi que o público tenha sido pouco interventivo.

Kivi

domingo, outubro 07, 2007

Miguel Torga

Os Contos da Montanha
A Vindima

E é assim que tardiamente entro no universo de Miguel Torga e prometo que vou continuar.
Ambos os livros nos remetem para o reino maravilhoso de Trás-os-Montes, terra de Deus e dos Deuses. A vindima coloca-nos no país rural, atrasado e classista. É bom conhecer os meandros do Doiro (o Doiro de Miguel Torga) e do vinho do Porto, das jornas intensivas, da organização do trabalho, das quintas que conhecemos só em postal (a Cavadinha que reconheci em passeio no mês de Setembro), da competição e jogos sujos entre os diversos interesses económicos, dos proprietários das cidades, do povo que só lá ia buscar uns tostões, da alegria desse povo, das aldeias hoje conhecidas turisticamente como vinhateiras –Galafura, Proverende, Celeirós, S. Martinho de Anta, etc. Conhecer esta geografia hoje remete-nos à história, a uma época em que tantos portugueses emigraram por fome de pão, num duro suborreco lá se foram em demanda do Brasil (sic). Algumas contruções apalaçadas, igrejas e capelas ao estilo barroco poderão ser encontradas nestas aldeias tão arrumadas do Doiro e que são obra de emigrantes da primeira levada para o Brasil. Apesar da nossa miséria, a Miguel Torga sente a pátria como uma iman, onde dificilmente se consegue viver longe. É este mundo rural que Torga escreve exemplarmente nos Contos da Montanha, um mundo telúrico onde o homem se funde com a natureza, da solidão da natureza, são os dramas vividos com uma graça que nos espanta e que nos faz venerar este povo. Percebo agora porque Torga não tenha qualquer paciência para aturar o homem pseudo-culto e que se tenha colocado à margem das homenagens e cerimónias do homem urbano.

KIVI
John Darnton – O Pecado de Darwin

John Darnton, um jornalista vencedor de um Pulitzer que escreveu durante 39 anos para o The New York Times, aventura-se num romance que explora as diferentes facetas de Darwin, sem que entre pela vertente educativa da teoria da evolução e ficcionando a personalidade/dilemas da personagem. A história divide-se em três partes que se interligam. A primeira história consiste no diário de Darwin durante a viagem no Beagle, onde será desvendado o pecado. Ao mesmo tempo podemos acompanhar o diário da filha de Darwin (Lizzie), onde nos apercebemos da mentalidade da época, as inquietações do pai e das pistas que fazem chegar Lizzie ao pecado. Por fim, surge a narrativa principal, a história de Hugh, sendo este um investigador de Darwin que através da análise dos diários chegará também à mesma conclusão relativamente ao pecado. Para além dessa parte da investigação (a mais interessante, por sinal), surgem ainda os conflitos familiares de Hugh que pouco adensam o romance, e ainda a sua relação (não muito relevante) com outra personagem.
Trata-se de uma leitura medianamente interessante para um período de férias, sendo bastante fluida e rápida mas por vezes entediante especialmente quando surge a temática da família de Hugh. Para quem quer saber mais sobre a teoria da evolução e sobre Darwin, não será este livro que irá ajudar, uma vez que tudo gira à volta do “pecado” e o mesmo é ficcionado. Dispensava-se a parte forçada das vacas loucas e de tudo o que anda à volta do irmão do Hugh. Foi interessante rever o “Goblin Market” de Christina Rosseti (pré-rafaelistas), poema de significado para a filha de Darwin, cujo nome e dúvidas coincidem com a heroína do poema.
http://www.theotherpages.org/poems/roset01.html

terça-feira, setembro 18, 2007



Contra o Fanatismo – Amos Oz

O que é o fanatismo? Não se resume apenas aos bombistas suicidas fiados na recompensa celestial. Fanáticos são todos aqueles para quem o fim, seja ele qual for, justifica os meios. Ao contrário dos restantes de nós, para quem a vida é um fim em si própria, e não um meio. Fanáticas são as pessoas que não suportam que os outros tenham ideias e modos de vida diferentes dos seus e que querem à força convertê-los às suas ideias, sejam elas de ordem religiosa, política, social...
O fanatismo é insidioso e difícil de combater. Algumas das armas mais eficazes contra ele são a literatura, o sentido de humor, e aquilo a que se designa por empatia: o exercício de nos tentarmos imaginar na pele do outro.
Este pequeno livrinho, baseado em conferências dadas pelo romancista judaico Amos Oz, que se define a si próprio como um ex-fanático recuperado, é simultaneamente um ensaio sobre a natureza do fanatismo e uma análise sucinta do conflito entre Israel e a Palestina, que atribui culpas e razão a ambas as partes, sugerindo aquela que acabará por ser a única solução, embora desagrade a todos os envolvidos: um compromisso.

terça-feira, agosto 14, 2007



Eu Amava-a - Anna Gavalda

Anna Gavalda é uma jornalista francesa com vários livros publicados. Apesar da capa causar alguma repulsa, posso dizer que gostei. Porém, não é nenhuma obra-prima, nem um livro a recordar. É um livro honesto, simples, sobre a natureza humana, em que uma esposa traída conversa com um sogro compreensivo e casmurro. Lê-se num ápice, e num ápice nos solidarizamos com as duas personagens, apenas porque são humanas e o aceitam, entendendo os erros do passado no respectivo contexto. Um livro de confissões e emoções, um pouco de ar fresco sentimental num mundo de tabus quanto a evidências demasiado simples - as características emocionais do ser humano.

domingo, agosto 12, 2007



Naomi - Junichiró Tanizaki

Um romance com uma escrita muito elegante e graciosa, mas cuja leitura não me interessou. É um romance de 1920 de um dos principais escritores japoneses e em que se observa a pressão da influência europeia no Japão. Esta obsessão pela sociedade europeia poderá compreender a decadência do comportamento de Naomi, mulher possessiva, lasciva e promíscua que subjuga o seu amante até à servidão. Elegantemente erótico Jõji não deixa de ser um masoquista, incapaz de reagir à perversidade da bela jovem Naomi. É também um fetichista pelos pés, tendo sido este autor já caracterizado como um podólatra. Será uma obra-prima de um romancista japonês, mas este romance não me comoveu em especial já que não o senti como parte da tradição japonesa.


KIVI

terça-feira, julho 31, 2007


O Animal Moribundo - Philip Roth


É um romance que nos agarra até ao fim. Escrita rigorosa, detalhada e seca como se conhece deste autor puramente americano. Individualista exacerbado, por vezes cruel mas também sincero, dá-nos neste romance um olhar sobre a decadência física, quer pela idade quer pela doença. O personagem é um professor universitário que está a envelhecer, mas que não desiste de um comportamento lúbrico e licencioso. Escrita sem preconceitos, o professor vem a viver o que chamou por uma “virilidade emancipada”, fora de amarras familiares ou sociais. Mas a coisa não será assim tanto, pois uma nova aventura com uma jovem esteticamente perfeita, fá-lo perder o controle. Muito bom.

Kivi

As Velas Ardem Até ao Fim - Sándor Márai

É uma história sobre a amizade entre dois homens, num cenário aristocrata de uma Europa central dos princípios do séc. XX. A narração é muito tranquila, a escrita silenciosa e bela como os espaços que imaginamos o são. A amizade decorre entre dois homens, um rico de ascendência e um outro pobre, mas ambos dependentes na sua existência. O que se destaca é que a grandeza do ser se encontra no homem rico, contrariando o esperado já que o outro é um artista . Há um triângulo amoroso que só no final se vislumbra, já que os dois homens esperam 40 anos e sobrevivem para se confrontarem com o segredo antes não partilhado. Deslumbrante…


Kivi




Harry Potter and the Deathly Hallows - J. K. Rowling

E assim terminou a história, uma só história repartida em 7 livros com 7 emocionantes capítulos finais. Certamente que a história só poderia terminar bem, deste modo todos os mistérios são desvendados e Harry terá de superar a maior prova que um ser humano pode enfrentar.
Descobre-se que afinal que algumas personagens do lado dos Death Eaters têm a sua desculpa, e que algumas personagens que pareciam imaculadas afinal tinham as suas fraquezas. A escritora manipula o leitor de modo a que este nem saiba mais em que acreditar, só se sabendo a verdade dos factos no final. Surgem algumas mortes inevitáveis dos apoiantes de Harry Potter, mas nenhuma delas leva ao vazio como aconteceu com Sirius e Dumbledore, tornando assim o livro menos depressivo que os anteriores. Até a meio do livro, tudo parece correr mal e nada leva a crer que existe um final aceitável. Só após se inicia a sequência de acontecimentos que irá culminar no esperado encontro final entre “He Who Must Not Be Named” e “The Boy Who Lived”. É impossível não se ficar entusiasmado com uma história que apresenta todos os ingredientes para deixar qualquer adulto obcecado em chegar ao final. É impossível pensar sequer que a saga Harry Potter deva ser afastada das crianças, uma vez que nada melhor para as aproximar do universo literário e principalmente pelos valores de honra e família que a obra incute. E porque a morte não deve ser um tabu.

domingo, janeiro 28, 2007


Como Tornar-se Doente Mental - José Luís Pio Abreu (muitas edições)

“Como tornar-se doente mental”. Quando vi este livro cá por casa senti uma imediata repulsa em o ler, por causa do título, pensando eu que era mais um de muitos livros que supostamente ensinam a obter o “equilíbrio” a “conhecer-nos a nós próprios” para poder combater as nossas fraquezas e ter uma saúde mental 5 estrelas. Mas um dia, nem sei por que motivo, vai que pego no livro e este fica colado aos meus dedos. Como é pequeno li-o de fio a pavio, muitas vezes dando por mim a rir-me sozinha (tal como acontece com o Inimigo Público, passo a publicidade). O Dr. Pio Abreu explica de uma forma cómica e simples o que o leitor tem de fazer para conseguir a proeza de ter o título de “doente mental”. O livro desconstrói o universo turvo das doenças/perturbações psiquiátricas, explicando os factores predisponentes e mostrando como é frustrante a vida de um médico psiquiatra. Quase que em cada capítulo encontrei uma faceta minha, mas o Dr. Pio Abreu explica no final que todos nós temos traços dos problemas apresentados sem que isso constitua um problema (chama-se a isso "ter personalidade"). De qualquer forma não aconselho este livro a hipocondríacos que desconheçam que o sejam (porque são estes que não procuram tratamento), o que é um conselho talvez um pouco inútil. Achei muito interessante, acho que a maioria das pessoas não têm a noção de como se instauram estas doenças e como é tão fácil perder o controlo sobre o nosso organismo (hormonas, neurotransmissores e tudo o mais). Também muitas vezes as situações são exacerbadas erroneamente e propositadamente, com vista à melhoria, mas dando origem a catástrofes mentais intratáveis. Por exemplo, aquela história de respirar fundo para obter a calma e afastar o pânico… Ao fazer isso inibe-se a reacção fisiológica fight or run essencial para o desbloqueamento de qualquer situação conflituosa, devido à hiperoxigenação provocada (por isso na emergência de um ataque de pânico se respira para dentro de um saco de plástico fechado, goodbye oxigénio, olá calma).
Chega-se à conclusão que ser-se doente mental é muito cansativo e atormentador (não tenho a certeza, mas estima-se que 40% da população portuguesa sofre ou já sofreu de perturbações mentais – sendo talvez a depressão uma das doenças que faça elevar mais esta percentagem). Muitas destas doenças são tratáveis, mas a maioria das pessoas não procura ajuda (as que a procuram, muitas vezes não têm nenhum problema mental, apenas necessitam de orientações sobre o que fazer da vida ou alguém com quem desabafar os seus problemas, sim, porque ter problemas não significa ser-se doente mental, confunde-se muito a tristeza com a depressão). Das doenças descritas, a esquizofrenia continua a ser o grande mistério da psiquiatria (ainda muito pouco se sabe sobre os mecanismos que originam a doença).

Estes são os capítulos do livro:
Capítulo 1. Como Tornar-se Fóbico
Variante 1. Fobias Específicas
Variante 2. Perturbação de Pânico
Variante 3. Fobia Social
Variante 4. Personalidade Evitante
Capítulo 2. Como Tornar-se Paranóico
Variante 1. Psicose Paranóide
Variante 2. Delírio Hipocondríaco
Variante 3. Delírio de Ciúmes
Variante 4. Erotomania
Capítulo 3. Como Tornar-se Obsessivo-Compulsivo
Variante 1. Hipocondria
Variante 2. Anorexia e Bulimia
Variante 3. Parafilias
Variante 4. Cleptomania e Outras Perturbações do Impulso
Capítulo 4. Como Tornar-se Histriónico
Variante 1. Estados Dissociativos
Variante 2. Conversão
Variante 3. Transtorno de Somatização
Variante 4. Psicopatia
Capítulo 5. Como Tornar-se Maníaco-Depressivo
Variante 1. Doença Afectiva Sazonal
Variante 2. Depressão Unipolar
Variante 3. Mania Unipolar
Variante 4. Distimia e Outras Depressões
Capítulo 6. Como Tornar-se Esquizofrénico
Variante 1. Hebefrenia
Variante 2. Catatonia
Variante 3. Personalidade Esquizotípica
Variante 4. Outras Formas e Misturas
Capítulo 7. Como Não Ser Doente Mental

Enfim, muito interessante para quem se interessa pelos designios da mente humana e pelas partidas que ela é capaz de pregar a quem esteja desatento (ou não).
(Ando com alguma dificuldade em arranjar imagens para os posts, tenho de voltar a utilizar o scanner, mas primeiro tenho de descobrir por onde andam os livros).

A Morte de um Apicultor - Lars Gustafsson – edições ASA

Um grande escritor. Um livro pequeno, com poucas páginas, poucas palavras, muito silêncio e paisagens impressionantes. Lars Gustafsson é um escritor sueco com uma forma particular de escrever. A sua personagem, um professor com reforma antecipada que vive isolado no meio da natureza dura e cujo passatempo é a apicultura (como só poderia ser, uma vez que não requere muito trabalho) descobre a possibilidade de um encontro com a morte a curto prazo. Quando não tem dores suficientes nem cansaço exagerado, escreve textos em diversos cadernos, textos sem nenhuma ordem cronológica em especial, textos de fantasia, filosofia e reflexões sobre o seu passado. O livro mostra-nos esses textos tornando-nos voyers dos pensamentos da personagem. Estes pensamentos são tudo menos lineares, deixando o leitor a pensar em perspectivas completamente diferentes da existência humana. A dor, a morte, as ligações afectivas, a esperança, o conformismo, o sentimento de pertença a uma sociedade, o sentimento de pertença à natureza, o medo, as coisas que só se descobrem tarde de mais sobre o próprio, são temas que abundam em cada texto apresentado. Uma escrita muito pura e crua, de alguém que é obviamente um filósofo. Imprescindível pela originalidade.

terça-feira, janeiro 16, 2007


E se eu gostasse muito de morrer - Rui Cardoso Martins

Desconhecia o autor, bem como a sua ligação a tantos projectos, desde o jornal Público, passando pelo Herman Enciclopédia até ao Zona J. Para mim foi uma revelação. O autor, e principalmente o livro.
Comecei por achar o título audaz. Não é todos os dias que ouvimos alguém dizer "E se eu gostasse muito de morrer". Não é somente Se gostasse. É se gostasse MUITO!
O livro... a estrutura adoptada para a narrativa não é linear, mas trambém não é inacessível. É suficientemente diferente, apenas para ser diferente. O texto é narrado numa primeira pessoa bastante discreta, grande parte do livro é sobre as histórias dos outros com quem se relaciona e através das quais vai caracterizando o meio em que se encontra. O Alentejo interior. De acordo com o Boletim Internacional da Sociedade Portuguesa de Suicidologia Portuguesa o Alentejo é a região de Portugal com a maior taxa de suicídios. E este livro tenta mostrar-nos porquê. Começa com o suicídio do coveiro "Dá vontade de rir: uma cidade onde até o coveiro se mata" e continua com uma série de suicídios (uns bem sucedidos, outros nem por isso), homicídios e ainda com aqueles que se matam "sem querer". Tudo com muito alcóol e droga à mistura. Os escapes para quem quer fugir sem sair do sítio. Sim, porque durante todo o livro reina o sentimento de desprezo pela terra onde nada acontece, mas livre-se aquele que mal dela falar!
O narrador dirige-se muitas vezes a uma segunda pessoa que parece ser o leitor, no entanto, o conteúdo das mensagens não nos faz sentido. Não é para nós que ele fala. Ele esteve o tempo todo a contar como tem sido a sua vida, à ex-namorada, que o trocou por outro. Um outro que não é do Alentenjo, Alentejo que também ela abandonou.
Toda a história é rica em informações paralelas, desde pormenores da morte de Kurt Cobain, às chaminés de fumo preto e fumo branco (capa) da fábrica de cortiça do Alentejo, cortiça usada pela NASA!
Eu costumo dar muito valor a uma história capaz de me surpreender, que termine de uma forma diferente. Nesta, o fim é previsível, desde as primeiras linhas que adivinhámos como vai terminar. Mas não podia ser doutra forma. Só assim soa a real.
A leitura deste livro tocou-me em algumas feridas que todos temos, e questionei-me muitas vezes sobre como se sentirá um alentejano a lê-lo. Não esquecendo que foi um alentejano que o escreveu.

sábado, janeiro 13, 2007

The Surrogates
- Robert Venditti & Brett Weldele

Há muito tempo que não lia um livro de banda desenhada tão bom (se calhar é porque não tenho lido muitos), que é simultaneamente um dos melhores livros de ficção científica que li nos últimos tempos. E aposto que dava um óptimo filme. Comprei-o depois de ler a crítica do SF site, que me abriu o apetite.
A história: em 2054, a maior parte da população vive fisicamente dentro de casa, e tem um ou mais surrogates, autómatos com aparência humana, controlados por um sistema de realidade virtual que permite ao utilizador experimentar as sensações correspondentes sem qualquer risco (por exemplo, ter a sensação de fumar sem os malefícios associados), e simplesmente desligar-se do sistema quando estiver numa situação desconfortável. Os benefícios são mais do que evidentes: o crime é praticamente inexistente, as pessoas podem não só ultrapassar deficiências físicas como alterar o seu aspecto, raça, ou mesmo sexo, a seu belo prazer. Os preconceitos são subtilmente contornados: por exemplo, se um empregador se sente desconfortável a contratar uma mulher para um determinado cargo, ela apresenta-se com um surrogate masculino. Nada mais simples.
Mas será que isto resolve os problemas das pessoas, ou apenas lhes permite viver sem os enfrentar? É claro que este é um mundo extremamente artificial, em que as pessoas literalmente deixaram de viver as suas vidas para apenas as "experienciarem" a uma distância segura.
Neste contexto, um misterioso tecnoterrorista começa a destruir sistematicamente surrogates. Este caso poderá estar ou não relacionado com os Dreads, uma pequena parte da população que é contra os surrogates por motivos religiosos. O livro é a história da investigação que se segue, conduzida por Greer, um polícia de meia-idade infeliz, cuja mulher há vários anos se recusa a mostrar-se em carne e osso, por não ser capaz de enfrentar o envelhecimento.
Como geralmente acontece com a boa ficção científica, há muitos paralelos com a direcção que a nossa própria sociedade parece estar a tomar. Assim de repente, ocorrem-me as operações plásticas, o culto da aparência, as pessoas que só têm interacções “sociais” através da internet, e o caso extremo do hikikomori, os adolescentes japoneses que simplesmente se fecham no quarto e recusam qualquer contacto social. Realmente viver é difícil, cansativo, e arriscado, e muitas vezes a tecnologia facilita um certo distanciamento da realidade. Mas se calhar, e apesar das partes más, chatas, e desconfortáveis, viver é mais interessante do que qualquer realidade virtual.
Quanto ao livro, não é muito fácil de encontrar; o melhor é procurá-lo nas livrarias especializadas em BD, como a Mundo Fantasma.