sábado, agosto 22, 2009


José Eduardo
Agua Lusa
BARROCO TROPICAL



Agua Lusa entusiasma-nos com as suas histórias de personagens poéticas e absurdas, numa escrita de realismo fantástico. Projectando o romance em 2020 na cidade de Luanda, faz uma viagem pelos infernos numa cidade super populosa e num país em que o petróleo já se esgotou. É o caos e o absurdo qualificado na Termiteira - o prédio em que os elevadores já não funcionam e em que habitam ricos e pobres, com a diferença de que os mais pobres, os miseráveis e os estropiados vão descendo nos andares até chegarem à cave, onde vivem como ratos, meninas - cão, feiticeiras, mendigos, catorzinhas, etc. Angola é governada por uma Presidente e um sistema corrupto impõe-se uma teia de servidores e de informadores na busca de favores e de poder.
A principal personagem, Bartolomeu Falcato é escritor e vive no 47º andar da Termiteira a sua amante- Kianda é uma cantora com carreira internacional. São ambos os narradores do romance. Bartolomeu quer desvendar um mistério –uma mulher que caiu do céu, mas esta intenção ocasiona-lhe sérios riscos erevelando-nos o abismo e o absurdo. É uma história sobre o medo e o poder, que não pode deixar de estar associada ao mau sentido de crescimento de Angola. Esse medo de falar e de ter outra opinião, está bem patenteada no Centro de Saúde Mental Tata Ambroise, em que os politicamente alegados doentes psiquiátricos estão em corredores labirínticos amarrados a motores e outras peças enferrujadas de carros desmantelados e obrigados a “tratarem-se” com chá com penas enfeitiçadas, que conduzem à hipnose e a debitar a informação pretendida. Ele como a sua avó, também acredita em anjos e tem um talento especial para a felicidade. Agua Lusa terá revelado “ Sou uma das pessoas mais felizes que já tive oportunidade de conhecer”. É bom sentir este optimismo e confiança, mas parece-me difícil compatibilizá-la com a realidade que faz sentir da cidade de Angola.
Agua Lusa, tanto no livro como na apresentação do mesmo que fez no mês de Junho no Casino da Figueira, diz, que como escritor ter sido colocado entre Coetzee e Garcia Márquez,, mas o barroco vai buscá-lo seguramente ao segundo.
O que ficou do livro foi o retrato de Luanda, o absurdo da descida aos infernos da Termiteira e do Centro Tata Ambroise e a grande capacidade do escritor em contar com poesia estas histórias fantásticas de mestiçagem.

Kivi

segunda-feira, agosto 17, 2009

Comprar livros no Reino Unido

Quando vim viver para o Reino Unido esperei encontrar um bocadinho de Londres em todas as terras, com as suas livrarias tão especiais que vão desde o franchising à pequenina e velhinha loja de livros improváveis e interessantes. A verdade é que Londres é Londres, e o resto é conversa (com a excepção da mítica capital dos livros Hay-on-Wye). Lojinhas de livros não há em lado nenhum e as que haviam foram comidas pelas multinacionais Borders e Waterstones. É sempre possível encontrar uns livros em segunda mão em algumas lojas de caridade e nas “feiras da Ladra”, mas sem a mesma dignidade de uma livraria com um dono orgulhoso que tenha dedicado a vida à profissão. Também nos hipermercados é possível encontrar as últimas novidades. Não é que não me não goste da Borders e da Waterstones, mas na falta de concorrência tira a piada toda que é ter acesso a todo o tipo de lojas dedicadas à literatura que se esperaria de um país em que todos os autores são traduzidos para a língua natal. A Borders tem um formato parecido com o da FNAC mas sem tanta variedade (e não tem hardware nem equipamentos de som e fotografia) e a Waterstones é mais dedicada às últimas novidades e à literatura infantil. Tanto uma como a outra tentam disfarçar o facto de serem franchisings e fazem de conta que os funcionários são especialistas em livros para que o cliente sinta que vale a pena comprar na loja e não na Internet. Temos como exemplo o acesso às opiniões escritas à mão dos funcionários. Na perspectiva do cliente estas tentativas são agradáveis, mas acabam por ser uma ilusão, já que a única alternativa existente é a maior livraria de todas, a Amazon.uk, que também ajudou à extinção das livrarias pequenas pela facilidade de utilização e pelos preços baixos, mas que torna a compra de um livro um acto privado sem interacção social e contacto físico com loja/livros.

A Saga Twilight de Stephenie Meyer - um caso de sucesso de vampiros civilizados que não dormem em caixões

Sim, devorei a saga twilight, que é constituída por quatro livros: “Twilight” (“Crepúsculo”), “New moon” (“Lua nova”), “Eclipse” e “Breaking down” (“Amanhecer”). Nas versões de capa dura isto dá 544+608+640+768 páginas!
Porque é que esta saga teve tanto sucesso?
Primeiro tem os ingredientes certos:
- vampiros (pela sugestão que vai acontecer alguma coisa de excitante);
- adolescente infeliz e anti-social apaixonada por um amor teoricamente impossível (alguns fãs equiparam a saga a “Romeu e Julieta”);
- vampiro jeitoso e personificação do “namorado que todas queriam ter”;
- vampiros maus que não descansam enquanto não matarem a heroína indefesa;
- lobisomens feios que não gostam de vampiros mas que gostam muito de quem os vampiros gostam;
- tipo de escrita viciante (faz lembrar a saga Harry Potter).

O número de páginas dedicadas à acção e confronto entre vampiros é muito reduzido em toda a saga. O mais característico da escrita de Stephenie Meyer é a insegurança das personagens do tipo “será que o vou ver hoje?” e “o que será que ele está a pensar?”
Porque é que me dei ao trabalho de ler esta saga? A saga é de leitura muito fácil especialmente para quem quer ler em inglês. O vocabulário é do mais básico que há, ao contrário do Harry Potter que é bastante mais descritivo e elaborado. Acaba por ser a leitura ideal quando não temos capacidade para ler nada de complicado, sendo absorvente o suficiente para nos fazer viajar para outro mundo. Serve muito bem a função de livro para ler no aeroporto, na praia ou quando ao fim do dia de trabalho estamos tão cansados que não conseguimos ler nada de complicado. No fundo pode dizer-se que sabe bem e é altamente viciante. A escrita é muito honesta e a história é muito simples (mas não previsível). A personagem principal Bella Swan é uma sofredora nata em todos os sentidos e durante 4 livros acompanhamos a sua evolução de forma muito íntima sem às vezes concordarmos com ela (tememos pelas suas decisões). O vampiro principal (Edward) tem a capacidade de ouvir os pensamentos de toda a gente à excepção de Bella Swan, e sendo muito cauteloso temos dificuldade em compreendê-lo e confiar nele (“too good to be true”). Stephenie Meyer tentou combater esse lapso começando a escrever a versão “Twilight” do ponto de vista do vampiro Edward. Porém, o rascunho foi publicado na Internet sem a sua autorização levando a autora a desistir do projecto para infelicidade dos fãs (“Midnight Sun” partial draft é agora disponibilizado no site oficial da autora). O rascunho foi altamente criticado porque os fãs não se tinham dado conta da obsessão do vampiro por Bella.
O primeiro livro é o mais interessante porque é a descoberta mútua das personagens principais. Os seguintes acabam por ser continuações com a introdução de novos elementos (como os lobisomens). O último livro “Breaking Down” foi uma decepção para os fãs de Meyer, que ao apropriarem-se das personagens não gostaram das decisões que estas tomaram e não aceitaram a liberdade da escritora de enveredar por outros caminhos. O livro foi tão atacado e a escritora tão desacreditada numa escala aparentemente ridícula para quem ambiciona apenas escrever uma novela de vampiros sem funções sociais. Foi acusada de incitar a pedofilia e as posições anti-aborto! Confesso que o último livro me entediou um bocado pela falta de ritmo e por haver 300 páginas sem qualquer acção. O rumo que a autora escolheu para o último livro é perfeitamente aceitável para o género novelesco mas os fãs não a perdoaram, querendo apenas mais uma história dos perigos inerentes a uma relação humano-vampiro. Concordo que o último livro poderia ser mais interessante, mas se formos a pensar nisso, toda a saga poderia ser mais interessante se tivesse outra autora, outras personagens e outro argumento, como todos os livros do mundo!! Stephenie Meyer não quis fazer do 4º livro mais do mesmo e apeteceu-lhe jogar com as possibilidades. É interessante ver como nesta saga os fãs tentaram manipular a autora ao máximo e como ficaram tão desiludidos com Bella Swan (que queriam que fosse previsível do princípio ao fim).
Recomendo a saga para aquelas alturas em temos a necessidade de ler alguma coisa light e viciante, e que saibamos que não teremos aquele sentimento incomodativo de culpa por perder umas tantas horas com literatura de “passar tempo”.

domingo, agosto 16, 2009


Diego e Frida

J.M.G LeClésio


Foi sem grande entusiasmo que me esforcei para ler este livro, fazendo-o num exercício de disciplina e de alguma obrigação já que me tinha sido emprestado. É que em boa verdade já conhecia as suas histórias de vida ou julgava conhecer. Mas valeu a leitura.
O que me ficou deste romance biográfico, foi o amor recíproco e incondicional deste casal, mesmo quando atravessado de tantos reveses e de separações físicas. Assume-se ainda o amor pelos índios, pela civilização pré – espânica, plasmado numa história de resistência de ambos os artistas contra a globalização e mesmo contra os USA. Clésio identifica-se com a vida dos dois pintores, já que a sua humilde vida literária tem sido dedicada à expressão da luta dos povos oprimidos. Em Frida é a procura integral física e mental da integridade dos oprimidos, da sede da verdade e da libertação da alienação do povo. O compromisso político de Frida e de Diego estão presentes ao longo da vida , apesar das grandes contradições e das posições polémicas de Diego (recorde-se que trabalhou e admirou o industrial de Detroit – Henry Ford). Não renegou essa admiração por esse império industrial e descrevia as oficinas como uma sinfonia para os seus ouvidos.É em Tehuantepec que Diego foi buscar as imagens fortes, as paisagens do éden, as mulheres de cabeleiras cor de ébano. Frida vai seguir o modelo das mulheres de Tehuana, veste-se, penteia-se e fala como elas.
Diego é o ogre (assim o designava Frida), a sua revolução é individualista, oscila entre a fé nos E.U e a União Soviética. Ele é colérico, violento na crítica, o monstro sedutor, oscila entre a acção e a crítica, a aventura, o poder e o dinheiro. Ela é a simplicidade, a determinação, a solidão, o amor abnegado. No seu diário escreve:
Diego, começo
Diego, construtor
Diego, minha criança
Diego, meu noivo
Diego, pintor
Diego, meu amante
Diego, meu marido
Diego, minha mãe
Diego, meu pai
Diego, meu filho
eu
universo
Diversidade na unidade
Mas porque eu digo Meu Diego
Ele nunca será meu. Ele só pertence a si próprio"

Kivi

quinta-feira, agosto 06, 2009

Leituras de Verão (ou a velhice, a morte e a violência)

Para contrariar a ideia das "leituras leves" para o Verão, para as minhas (mini)férias escolhi temas um bocado pesadotes. Começando com a velhice:

Philip Roth - Exit Ghost (O Fantasma Sai de Cena)

Um escritor de 70 anos, deixado impotente e incontinente por uma operação à próstata, vive isolado do mundo há mais de 10 anos, por opção própria. Um dia, de forma impulsiva, decide regressar a New York para se submeter a uma nova intervenção cirúrgica que lhe poderá (não há garantias) permitir recuperar pelo menos a continência.
E de repente é como se tivesse regressado à vida, a tudo o que deixou para trás numa tentativa de se proteger e, embora saiba que é um erro, decide ficar em NY mais algum tempo e acaba por se expôr a contactos para os quais já não está preparado e não tem quaisquer defesas: estar na mesma sala com uma mulher; discutir com um jovem escritor determinado; viver no mundo actual. Neste confronto entre ele e o mundo, é evidente quem é que vai sair magoado.
A partir de metade do livro vamos lendo alternadamente o que realmente acontece e os diálogos que ele escreve quando chega a casa, tal como poderiam ter acontecido.
Esta é uma viagem ao mais íntimo da fragilidade humana, pela mão do mesmo Philip Roth que nos deu The Dying Animal (O Animal Moribundo), que acabei de revisitar na excelente adaptação cinematográfica Elegy (filme que aproveito para recomendar).


Christopher Belshaw - Annihilation:
The Sense and Significance of Death


O último livro deste filósofo contemporâneo (que também editou 12 Modern Philosophers, uma boa introdução a alguns dos nomes mais importantes da filosofia contemporânea de língua inglesa, mas que inexplicavelmente não inclui o meu filósofo favorito, Daniel C. Dennett), não é um livro pesado nem deprimente, ao contrário do que possa parecer.
O autor começa por analisar o que é a morte em geral. Antes de mais, é um processo biológico. O autor apresenta a sua própria definição: a morte é "a perda irreversível de funcionamento do organismo como um todo". Mas depois aparecem complicações: o que é um organismo? Uma semente, um fruto, um órgão, as células do nosso corpo, será que podemos dizer que estas coisas estão vivas? Pode-se deixar de existir sem morrer? As bactérias fazem-no todos os dias, quando se dividem. E quanto a irreversível? Uma paragem cardio-respiratória antigamente era sempre irreversível porque tecnologicamente não era possível reanimar essas pessoas, mas agora já é. Então passamos a considerar que a pessoa morre só quando falham os esforços para a reanimar. Então a definição de morte varia com a tecnologia disponível, ou variam apenas os critérios pelos quais conseguimos identificá-la?
A parte mais interessante do livro não é sobre estas questões de definição, mas sim as tentativas de resposta à pergunta: a morte é uma coisa má? É certamente mau para as pessoas próximas, que continuam vivas e vão sofrer psicologicamente com a perda, mas e para o próprio? E se considerarmos que é má para a pessoa que morre, é má em que sentido? Para os Epicuristas, a morte não podia ser boa nem má, uma vez que "quando ainda somos, a morte ainda não chegou; e quando chega, já não somos". De facto, embora pareça intuitivamente que a morte é uma coisa má, não é fácil explicar em que medida é que ela prejudica o indivíduo que morre, uma vez que assim que a pessoa morre já nada de bom ou mau lhe pode acontecer. Podemos no entanto, sem qualquer dificuldade, considerar que a morte, na maior parte dos casos, vai contra o nosso interesse em permanecermos vivos, priva-nos de boas experiências que poderíamos vir a ter, e impede-nos de prosseguirmos os nossos planos para o futuro, portanto prejudica-nos.
Estas e muitas outras questões, algumas reais (o coma, o estado vegetativo persistente, etc), outras baseadas em cenários hipotéticos, são esmiuçadas por Christopher Belshaw, que comenta também as opiniões de outras pessoas que escreveram sobre o tema. Achei um livro muito estimulante, e embora não concorde com todas as opiniões do autor, fez-me repensar as minhas ideias, que eu achava que estavam tão bem definidas...


Jonathan Gotschall - The Rape of Troy: Evolution, Violence, and the World of Homer

Jonathan Gotschall propõe-se revolucionar os estudos literários trazendo para esta área em que já quase tudo foi dito, uma ferramenta ainda muito pouco (correctamente) aproveitada pelas humanidades: a biologia. Mais especificamente, a psicologia evolutiva, que ajuda a explicar algumas facetas do comportamento humano com base no seu significado evolutivo (por exemplo, a nossa preferência por alimentos hipercalóricos era muito vantajosa para os nossos antepassados na pré-história, e consequentemente ainda temos essa propensão, embora actualmente só nos prejudique).
Neste caso em particular, o autor debruça-se sobre a Ilíada e a Odisseia, épicos que trazem à luz a vida destas pessoas que viviam num tempo bem mais violento que o nosso, em que dos homens era esperado que prezassem acima de tudo a guerra e das mulheres esperava-se modéstia, fidelidade e que parissem muitos filhos.
A uma certa tendência masculina para a agressividade e para a competição com outros homens juntam-se outros factores, como o baixo número de mulheres disponíveis (devido a práticas culturais como o infanticídio e a poligamia), para gerar uma situação de guerras quase constantes, de insegurança e instabilidade permanentes. As populações estavam constantemente em risco de serem atacadas por populações vizinhas, o que geralmente significava a morte para todos os homens e a escravatura para as mulheres e crianças. Estas condições de vida por sua vez influenciavam as escolhas que as pessoas faziam mediante as (poucas) alternativas que tinham.
Um estudo sobre literatura que é ao mesmo tempo um estudo sobre os gregos e a vida das pessoas na antiguidade que é ao mesmo tempo um estudo sobre a natureza humana.
__________

Aproveito para acrescentar que os últimos dois livros que referi foram comprados na Livraria Leitura, no Porto, que podia ser melhor mas que ainda assim sempre vai tendo algumas novidades interessantes e que não se encontram na FNAC.