segunda-feira, setembro 20, 2010


A Viagem do Elefante
José Saramago


Baseada num facto histórico, cujos pormenores estavam pouco documentados, Saramago criou a história da viagem do elefante, oferecido pelo rei D. João III em casamento ao seu primo arquiduque da Áustria Maximiliano II. O elefante, a que chamou Salomão, viajou de Lisboa a Valladolid e já acompanhado pelo séquito real seguiu para a Áustria. Escrito em condições muito difíceis, este romance representou para Saramago a metáfora da vida humana: este elefante que tem de andar milhares de quilómetros para chegar de Lisboa a Viena, morreu um ano depois da chegada e, além de o terem esfolado, cortaram-lhe as patas dianteiras e com elas fizeram uns recipientes para pôr os guarda-chuvas, as bengalas, essas coisas" “E o que é que nos espera? A morte, simplesmente. Poderia parecer gratuita, sem sentido, a descrição, que não é exactamente uma descrição, porque é a invenção de uma viagem, mas se a olharmos deste ponto de vista, como uma metáfora, da vida em geral mas em particular da vida humana, creio que o livro funciona", referiu. Por isso a sua epígrafe é “sempre chegamos ao sítio onde nos esperam”. È um romance que mistura realidade com ficção e em que o Nobel no apogeu da sua grandeza literária traz com ele a graça, a inteligência e a ironia da escrita. Achei esta obra primorosa.
Kivi

terça-feira, agosto 03, 2010


VIRGÍLIO FERREIRA

Aparição

O romance é narrado pela personagem principal, Alberto Soares, que numa primeira linha narrativo temporal, encontra-se velho em um antigo casarão e revive suas memórias. Nessas lembranças, acompanhamos uma outra linha temporal em que a personagem, agora mais jovem, recém-chegado a cidade de Évora, na qualidade de professor, para dar aulas no Liceu da cidade vem a conviver com uma família burguesa.
“Aparição” é um romance autobiográfico, de inspiração existencialista, em que o homem busca a identidade de si próprio. É pois um romance reflexivo, sobre as contradições da vida humana, sobre a individualidade e a responsabilidade da existência e a busca da razão da vida na sua ligação com a morte. Alberto Soares apresenta-se como um ser em conflito, fragmentado, alguém que procura encontrar um percurso de vida face a uma determinada problemática. Alberto confere a si próprio uma faceta messiânica, detentora de uma Verdade que tentará levar aos outros, e que, por incompreensão e deturpação, vai originar o seu isolamento e a sua rejeição. ““Não procures a noite por não suportares o dia; leva para o sol a tua aparição e serás um homem” O seu percurso é marcado por uma série de encontros e desencontros consigo próprio e com os outros e também pela tragédia da morte. O termo "aparição" significa exactamente a revelação instantânea de si a si próprio. Évora representa para ele a materialização do seu conflito interior e o drama de existir. Inicia as interrogações existenciais e sem razões válidas para justificar o seu afastamento de Deus, começa a construir a sua existência a partir de si próprio - ele será o seu deus;
E da parte final destaco: “ O campo arde vastamente, como uma destruição universal…A noite avança, a minha cidade arde sempre. Vou fundar outra noutro lado. Mas não sabia eu que devia arder? Aacso será possível construir uma cidade como a imagino, a Cidade do Homem? …Mas o que sei é que o homem deve construir o seu reino, achar o seu lugar na verdade da vida, da terra, dos astros, o que sei é que a morte não deve ter razão contra a vida nem os deuses voltar a tê-la contra os homens, o que sei é que esta evidência inicial nos espera no fim de todas as conquistas para que o ciclo se feche – o ciclo, a viagem, mais perfeita.”

sábado, junho 05, 2010


a máquina de fazer espanhóis
valter hugo mãe

Foram duas entrevistas ouvidas na rádio em momentos diferentes, que me levaram a ler este livro, já que alguma curiosidade mantinha pelo autor que José Saramago tanto tem elogiado. É um jovem autor que com certeza tem marcado a diferença pela criatividade e pela linguagem que tão bem aproxima o leitor. O livro é uma homenagem ao pai que morreu antes de ter chegado à terceira idade e aspira a dar conhecimento de um passado político e social vivenciado por aquele, mas em parte por si desconhecido. A personagem principal é o Sr. Silva, apelido tão portuguesmente repetido, um octogenário que vê a sua vida mudar repentinamente quando colocado no lar “A Feliz Idade”. É a luta de um homem que quer manter a sua identidade num local onde lhe é roubada a alma, apesar desse local surgir como confortavelmente paternalista. Ele perde a mulher, a sua Laura constantemente evocada com amor, como um quotidiano de rotinas e de conformidades de um barbeiro, que mais não deseja que ser um homem de família. É uma evocação de passados num país vivido na ditadura, de mesquinhez e inveja. É um homem que no seu final faz contas à vida, e que apesar da revolta sentida com a nova realidade vem a encontrar naquele resto de solidão a amizade junto de iguais. O romance é atravessado pela ironia dos diálogos com os outros idosos, mas apesar de alguns elementos de alegria, a situação do Sr. Silva é mesmo trágica, como a de todos aqueles que chegam a este ponto sem retorno. O romance está muito bem estruturado, mas gostaria que o autor recomeçasse a escrever com maiúsculas. Afinal porque as aboliu? Não vale a pena começar uma frase com minúsculas.

Kivi

domingo, fevereiro 28, 2010

BRIAN WARD -PERKINS

A QUEDA DE
ROMA E O FIM DA CIVILIZAÇÃO

Trata-se de um livro que responde à pergunta clássica: Porque caiu o Império Romano? O autor é um arqueólogo inglês que através de testemunhos, em especial arqueológicos, vem comprovar-nos o retrocesso civilizacional do mundo ocidental ocorrido no século V com os invasores vindo do norte, da Alemanha e das estepes, que os romanos chamavam simplesmente de «bárbaros». Coloca-se numa atitude crítica relativamente à comunidade de historiadores, pela forma confortável como consideram o fim do mundo antigo. Assim a leitura dominante defendida é de que as invasões bárbaras são amortecidas e suavizadas, numa transformação da sociedade contínua e positiva e em que os invasores germânicos são pacificamente acomodados nas províncias romanas. Contrariamente, na sua opinião, o século V assistiu a uma profunda crise militar e politica, causada pela violenta e dolorosa tomada do poder pelos invasores bárbaros. Nove décimos da Europa regrediram para mil anos para o princípio da Idade do Ferro e levaram mil anos a recuperar, recompondo-se só Renascimento. Delonga-se na sofisticação do mundo romano, dos níveis de conforto atingidos, de uma elite de sabedoria, dos monumentos sofisticados, da riqueza criada e do acesso de muita gente aos bens e à cultura, aquisições que deixaram de ser vistos posteriormente durante muitos séculos. Considerando que os testemunhos escritos disponíveis são insignificantes, o autor serve-se dos objectos escavados para reconstituir a produção e a distribuição, a complexidade económico que distingue uma civilização de uma não civilização. Critica o movimento actual da comunidade de historiadores que se afastam da história económica por ter deixado de estar na moda, substituindo-a pela história da religião. Referindo-se à universidade de Oxford, pontua que os estudos clássicos da cultura greco-romana perderam o seu estatuto privilegiado e que os séculos pós romanos deixaram de ser a «idade das trevas», que se seguiu à extinção de uma grande civilização.” Na verdade, no mundo moderno pós-colonial moderno, o próprio conceito de «civilização» seja ela antiga ou moderna, é agora pouco confortável, porque é visto como aviltante para as sociedade que são excluídas do rótulo. Hoje em dia, em vez de «civilizações», aplicamos universalmente a palavra neutra «culturas»; todas as culturas são iguais e não há culturas mais iguais que outras.”

Kivi