segunda-feira, março 06, 2006


Ian McEwan – Sábado – Gradiva

Este livro relata o dia de 15 de Fevereiro de 2003 (sábado) da vida de Henry Perowne, neurocirurgião de sucesso, marido dedicado de Rosalind (advogada) e pai de dois filhos maravilhosos, Daisy (poetisa culta) e Theo (músico descomprometido). O Sábado de Henry começa com reflexões em relação ao terrorismo numa Londres desconfiada de pós 11 de Setembro, continua com uma descrição de uma cirurgia bem sucedida, com uma ida ao squash e considerações sobre a idade, com a visita da mãe com Alzheimer ao lar, com a apresentação de algumas músicas em estúdio do filho Theo e finalmente com um jantar de família. O dia de 15 de Fevereiro é ainda marcado pela manifestação anti-invasão do Iraque e com as respectivas discussões familiares do tema em tom de conflito geracional amigável e ainda por um incidente com o delinquente Baxter e respectivas considerações sobre o papel da sociedade nestes casos sem solução, sempre num tom paternalista e de superioridade da parte de Henry que se considera um privilegiado em termos de sanidade mental, sucesso profissional e sentimental.

Henry consegue ser muito irritante, a personagem é demasiado perfeita, levando o leitor a tentar encontrar falhas nas suas reflexões ao longo do livro. Nota-se alguma discrepância entre a opinião de Henry e a do escritor, que constrói esta personagem com o intuito de demonstrar ao leitor a sua invenção de “homem de sucesso”, em que os seus defeitos são praticamente aceites como virtudes numa sociedade em que as pessoas não param para pensar e reflectir sobre si dum modo tão perfeccionista. Entramos na intimidade de Henry quase que demasiadamente, chegando o escritor a levar ao exagero este acompanhamento da personagem a cada minuto num sábado tão longo. Por exemplo, a sequência do jogo de squash é detestável de tão pormenorizada (o que é que me interessa que a bola vá para a direita ou para a esquerda), mas necessária segundo o escritor que nos quer à força colocar dentro da cabeça de Henry (será por isso que ele é neurocirurgião)? A família de Henry é enjoativamente perfeita ou se calhar não, mas é assim que Henry a vê. Esta felicidade inabalável é tão irritante que estive a ponto de abandonar o livro a meio, por entre todos os episódios de “chacha” daquele sábado. As opiniões de Henry também não trazem nada de novo ao leitor, a única coisa que penso que interessa nem é o seu conteúdo dessas opiniões e pensamentos, mas o modo como elas representam uma intimidade que é inacessível na maior parte das pessoas.

Apesar de não ter gostado particularmente de “Sábado” tenho de admitir que existem poucos escritores com a capacidade de expressão de Ian McEwan, especialmente em relação a sentimentos pessoais que dificilmente são explicados de maneira tão clara. A escrita do final foi muito bem conseguida, quase que vale a pena forçar uma leitura de “Sábado” só por causa das reflexões finais. Mesmo assim é um livro que se esquece passados uns dias.

O melhor do livro: a amplitude de temas que são abordados, a actualidade dos temas abordados, a escrita e capacidade de expressão excepcional de Ian McEwan.

O pior: a história e as personagens irritantes.

2 comentários:

Anónimo disse...

É um romance de detalhes, de precisão quase cirúrgica, como a profissão do narrador. Racionalista, conservador e com grande controle de tudo o que o rodeia, tem uma vida perfeita. Nas reflexões que vai fazendo introduz outro tipo de informação, estimulando o leitor. A escrita é virtuosa e se as explicações do funcionamento do cérebro, a visita á mãe e a cena final com Baxter merecem um destaque especial, há outras que é mesmo para desligar já que não interessam mesmo nada. Relativamente ao conteúdo e apesar do romance se mover á volta das preocupações da actualidade, não belisca em nada , tal como é observável no final.

Kivi
18-08-06

Noname disse...

Agora falta a Mira dizer alguma coisa, já que não concordou com nada disto...