quinta-feira, setembro 21, 2006


Never Let Me Go – Nunca me deixes - Kazuo Ishiguro

Nomeado para o Man Booker Prize 2005, este livro aborda a vida de 3 amigos (Kath, Ruth e Tommy) em três secções, a infância, a adolescência e um pouco da vida adulta nos seus empregos. O narrador é uma destas personagens (Kath), e durante todo o livro só temos acesso à sua perspectiva.
Na primeira parte do livro o leitor não sabe o que têm estes três amigos de diferente em relação ao resto das pessoas, mas percebe que algo está errado e que existem muitos segredos que indiciam algo que não muito simpático.
O livro é um bocadinho maçador, no aspecto de ser muito pormenorizado em relação ao dia-a-dia das crianças, e da importância que Kath dá a acontecimentos triviais que se passam na escola. Este tipo de narrativa acaba por ser importante para o leitor conseguir entender as atitudes e as escolhas de cada uma das personagens no contexto em que socialmente foram criados.
Depois do segredo ser desvendado, o leitor nunca terá acesso às questões práticas da trama, porque o essencial da história está nas relações entre as três personagens que se estabelece dentro de um contexto educacional tão específico. As personagens não descobrem o segredo de modo repentino, crescem como se sempre o soubessem e sempre o aceitassem, de modo que acaba por ser um exercício muito interessante sobre condicionamento humano, perfeitamente possível de acontecer, metaforizando situações equivalentes que muitas comissões de ética temem.

SPOILER / CONTÉM DADOS QUE NÃO DEVE SABER SE QUISER LER O LIVRO

Ok, eu digo, o segredo de que falo que só se descobre a metade do livro é mais ou menos equivalente ao segredo do filme “A Ilha”. Uma quantidade apreciável de seres humanos é clonada para que em adultos se tornem reservatórios de órgãos disponíveis para o resto da população. Tudo é realizado um pouco às escondidas, porque apesar de toda a gente saber de onde vem os órgãos ninguém quer pensar no assunto, uma vez a partir do momento que se adoptou este método a esperança média de vida da população aumentou substancialmente. Se calhar equivale ao mesmo sentimento que faz com que muitas pessoas procurarem órgãos no mercado negro (mesmo sabendo de onde vêm), mas ampliado para toda a população. Ninguém sabe quantos centros de criação de clones existem, nem onde se localizam. Um deles (onde cresceram as personagens) tem uma característica especial. Esforça-se por dar uma educação exigente aos clones e estimula-os artisticamente, recolhendo as suas melhores obras de arte como prova de que os clones têm alma e em nada diferem da restante população quando se lhes é dada o mesmo tipo de oportunidades (para justificar o tal esforço na sua educação). Os clones são condicionados a achar que a sua missão no mundo a de doarem órgãos, com um sentimento de submissão que lhes impede de fugir e de tentar ter uma vida “normal”. Quando chegam a adultos podem iniciar a sua “carreira” de “toca a tirar os rins”, que consiste em cirurgias sucessivas com intervalos para a recuperação, ou então servem de “enfermeiros” aos que doam. Felizmente os pormenores mórbidos não são descritos, mas percebe-se que não vivem muito tempo. Estranhamente (ou não) a maioria deles prefere iniciar as doações o mais rapidamente possível e evitar a “carreira” de enfermeiros, porque afinal, foi para isso que foram concebidos, e a vida não teria sentido se não sentissem orgulho de o fazer.
Assim, as personagens crescem sem pais e acabam por ser pais umas das outras, sentir a necessidade de se inter-controlarem e inter-educarem. Por outro lado, como são educados protegidos do mundo exterior, e nunca têm necessidade de usar os piores defeitos que o ser humano tem para subir na vida, as personagens, após passarem pela crueldade típica da infância, tornam-se pessoas muito inocentes, compreensivas, pensativas, justas e passivas.

No final achei que o livro não constitui uma critica ao progresso científico que se desenvolve a uma velocidade que não permite a reflexão moral da sociedade sobre o mesmo, mas apenas um exercício sobre condicionalismo de um grupo de pessoas educadas de determinada maneira, aproveitando um possível e polémico contexto, o que coloca o livro na prateleira da Sociologia e não da Ficção Científica.

Sem comentários: