sexta-feira, dezembro 30, 2005

Dias Exemplares - Michael Cunningham - Gradiva

Há muito que aguardava por mais um livro de Michael Cunningham, após as obras-primas anteriores (por ordem decrescente de preferência, "Uma Casa no Fim do Mundo", "Sangue do Meu Sangue" e "As Horas"). Assim, quando saiu "Dias Exemplares", as minhas expectativas eram demasiado elevadas, tendo sido formada uma opinião injustamente depreciativa.
O livro é dividido em três histórias passadas em Nova Iorque. A primeira história é passada no ínicio da revolução industrial, a segunda na actualidade dos acontecimentos pós-11 de Setembro e a terceira num futuro distante em que alienígenas e autómatos povoam a terra.
Michael Cunningham esforça-se por dar elementos comuns às histórias. As personagens Cat, Simon e Luke aparecem em diferentes corpos e personalidades, sendo dada a cada uma a oportunidade do papel principal. O melhor de Michael Cunninham sempre consistiu na construção de personalidades e exploração das inter-relações, e aqui algumas características repetem-se de história para história, apesar de contextos completamente diferentes, como o facto das personagens sofrerem a perda de alguém que lhes é querido, ou serem sujeitos a algum tipo de discriminação (quer por serem negros, quer por serem extraterrestres ou por serem fisicamente deformados). Outra característica comum consiste na descoberta da beleza em terrenos inóspitos (e aqui entra a estranha tigela que passeia por entre as histórias) e a incapacidade de adaptação à sociedade norte-americana através duma visão anti-globalista e anti-evolucionista. Através das 3 histórias existe um acompanhamento da evolução social e física de lugares comuns de New York (Brodway, Central Park), numa perspectiva muito negativa de um ciclo vicioso de infelicidade crescente em que a única solução encontrada consiste na autodestruição, fuga e ainda o abandono pessoal em detrimento do próximo.
A incontinência poética que atravessa as 3 histórias contrasta com o ambiente pesado, dando às personagens a oportunidade de terem um escape do mundo deprimente, através da escrita de Whitman (Leaves of Grass), o poeta que amou o mundo, a vida e a morte tal e qual como são ("Imenso de paixão, vitalidade e força, alegre, destinada à acção mais livre pelas leis divinas, eu canto o Homem Moderno"). Whitman mostra às personagens a beleza do mundo, tornando-se num refúgio dos seus medos e no alento para a mudança.
A ideia do livro é demasiado ambiciosa, e quem sabe, se fosse trabalhada de outra maneira, originaria o melhor livro de Cunningham. Porém, as histórias soam um pouco a falso, as situações irritam o leitor e as personagens parecem forçadas. Mas é apenas uma opinião de alguém que tinha expectativas demasiado elevadas.

1 comentário:

Kivi disse...

Adiei esta leitura por a Miaxi achar que o livro não seria do meu género.Mas enganou-se porque achei as três histórias brilhantes. As diversas personagens apesar da sua estranheza, são verosímeis e traduzem a sua relação com os outros e com o cosmos. A poesia de Walt Whitman atravessa as personagens e é uma alegoria à vida e à utopia nos diversos cenários de uma Nova York de desesperança, de destruição. E assim termina a ultima história- a que mais gostei e que é passada no futuro, com Simon a dizer:"A terra é o bastante,não quero as constelações mais perto, sei que estão muito bem onde estão,sei que bastam àqueles que lhes pertencem."