sexta-feira, setembro 23, 2005


"O Vendedor de Passados" - José Eduardo Agualusa (Dom Quixote)

«Desculpe a pergunta, mas posso saber o seu nome?»
«Não tenho nome», respondi, e estava a ser sincero, «sou uma osga.»
«Isso é ridículo. Ninguém é uma osga!»
«Tem razão. Ninguém é uma osga. E você - chama-se de facto Félix Ventura?»

Esta é a história de Félix Ventura, um albino que inventa passados para quem já tem o futuro pensado. O narrador é uma osga voyeur, que noutra vida foi pessoa. O livro joga com a manipulação de memórias e de como elas nos podem perseguir muito depois de já estarem apagadas. O plano onírico é misturado com o plano real, para que as personagens tenham possibilidade de fugir à realidade da sociedade angolana.
"O Vendedor de Passados" lê-se muito rapidamente, sendo escrito com uma linguagem fácil, muito poética e ao mesmo tempo realista. É um bom livro para ler quando não se tem grande paciência para grandes filosofias e para quando se está farto de histórias mirabolantes. É uma leve brisa Outonal.
"A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento. Vemos crescer por sobre as acácias a luz da madrugada, as aves debicando a manhã, como a um fruto. Vemos, além, um rio sereno e o arvoredo que o abraça. Vemos o gado passando lento, um casal que corre de mão dadas, meninos dançando o futebol, a bola brilhando ao sol (um outro sol). Vemos os lagos plácidos onde nadam os patos, os rios de águas pesadas onde os elefantes matam a sede. São coisas que ocorrem diante os nossos olhos, sabemos que são reais, mas estão demasiado longe, não as podemos tocar. Algumas estão já tão longe, e o comboio avança tão veloz, que não temos a certeza de que realmente aconteceram. Talvez as tenhamos sonhado. Já me falha a memória, dizemos, e foi apenas o céu que escureceu. É isso o que sinto quando penso na minha anterior encarnação. Lembro-me de factos soltos, incoerentes, fragmentos de um vasto sonho."

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