quarta-feira, março 22, 2006


We Need to Talk About Kevin - Lionel Shriver

"So they say you're a troubled boy
Just because you like to destroy
All the things that bring the idiots joy
Well, what's wrong with a little destruction?"

Franz Ferdinand

Kevin Katchadourian nunca gostou do mundo. Enquanto bebé não fazia outra coisa senão chorar, em criança não gosta de brincar e acha tudo estúpido e aborrecido, revelando um profundo desprezo por tudo o que tem algum significado para as outras pessoas; até que na adolescência vai ser o protagonista de um massacre na escola (como o de Columbine).

Porquê?

Será culpa dos pais? Será que foi por a mãe nunca conseguir gostar dele, apesar de passar a vida a tentar? Será por o pai não aceitar o filho que realmente tem, preferindo acreditar num filho idealizado? Será que se pode realmente atribuir culpa a alguém, para além do próprio Kevin?

Este é, acima de tudo, um livro sobre a maternidade, sobre porque é que as pessoas decidem ter filhos e quais as alterações que isso traz às suas vidas; o papel dos pais na educação dos filhos, e as limitações desse papel. Os próprios pais podem por vezes tornar-se joguetes nas mãos de uma criança esperta, capaz de "dividir para reinar", aliando-se a um ou outro dos pais para obter sempre o que quer.

Há também outras questões mais profundas que são levantadas, como a natureza do mal e o grande vazio que existe na sociedade moderna, que tornam este livro muito mais do que apenas uma história sobre um assassino adolescente.

Contado sob a forma de cartas que a mãe de Kevin escreve ao marido, após a prisão do filho, este é um livro excepcional, embora nem sempre agradável (há duas cenas que são particularmente cruéis), que era importantíssimo que fosse editado no nosso país (haverá alguém da Cavalo de Ferro, por exemplo, a ler isto?). Entretanto, é possível encontrar a versão original à venda na FNAC.

quarta-feira, março 15, 2006

Nas Tuas Mãos - Inês Pedrosa - Publicações Dom Quixote

Inês Pedrosa fala do amor, exclusivamente sobre o amor e fá-lo através de três mulheres de diferentes gerações. A mulher mais nova, no vazio dos seus sentimentos num hoje complexo e difícil de sintonizar, vai-se identificando com as vivências de uma avó que vivendo fora da história está para além dos preconceitos, das certezas, das imperfeições e dos ressentimentos, nessa diferente forma de estar. Filha e neta serão as mulheres de hoje, cansadas de procurar o impossível e herdeiras de uma ausência que está para além da liberdade e do seu controle. O que marca em especial o romance é uma história de homosexualidade escondida e que paradoxalmente não é vivida pela mulher como rejeição/traição, mas eroticamente através da sincronização dos desejos.
Inês Pedrosa não gostará de ser reduzida a escritora no feminino - a literatura é feminina e masculina - agora uma coisa é certa: só uma mulher poderia escrever este livro.
Posted by Kivi

quinta-feira, março 09, 2006

Alimentos Trangénicos – Um Guia Para Consumidores Cautelosos – Margarida Silva – Universidade Católica Editora, Campusdosaber3

Apesar de ter lido este livrinho por interesse profissional, aconselho-o vivamente a todas as pessoas (as que andam a dormir, as que querem acordar e os naturalmente interessados pelo que se passa no mundo). Cada vez mais temos de adquirir a capacidade de aprender a “filtrar” a informação que nos é vendida pelas autoridades governamentais e entendê-la nos contextos políticos actuais.

Não me encontro em condições de criticar o livro em causa, porque não faço investigação na área nem li toda a informação disponível sobre os alimentos trangénicos (OGM = organismo geneticamente modificado), mas o meu senso comum não pode deixar de concordar com o que a autora diz em relação a todas as implicações que os OGM poderão ter na saúde humana, no ambiente, na sociedade e na agricultura. O livro é muito pequeno, lê-se num instante e tem uma linguagem acessível para quem não entenda de engenharia genética.
Deixo aqui uma amostra para terem uma ideia (Capítulo 4 - Quais são os riscos dos alimentos trangénicos para a saúde humana?).

“Se os OGM estivessem a ser desenvolvidos para ajudar a alimentar os que não têm comida (e que são quase mil milhões), então deveriam estar a aparecer sementes com certos tipos de características: capacidade para crescer em solos pobres e climas agrestes, com maior conteúdo proteico por hectare, sem necessidade de fertilizantes, pesticidas, regas ou maquinaria cara, com características que favorecessem as pequenas explorações em detrimento dos latifúndios, baratas e próprias para alimentar pessoas em vez de animais. Nestas regiões a sobrevivência prende-se com um conhecimento íntimo de características únicas em termos de clima, estação, topografia, solo, biodiversidade, acesso aos mercados e demais recursos, num equilíbrio difícil em que as condições de produção máxima raramente ocorrem. A segurança do agricultor passa pela sementeira de múltiplas variedades de cada espécie, algumas das quais só existem localmente, e cuja valia não deriva tanto da produtividade mas da robustez. Mas aquilo que se verifica, a avaliar pelas variedades já comercializadas, é um investimento das empresas de biotecnologia precisamente na direcção oposta. A actual geração de sementes trangénicas requer solos de alta qualidade, grandes investimentos em maquinaria e químicos, está pensada sobretudo para rações animais e apresenta, pelo menos nalguns casos, uma produtividade inferior à das variedades convencionais.

A posição de que os alimentos trangénicos podem contribuir decisivamente para acabar com a fome nos países mais desfavorecidos assume implicitamente duas premissas:

-há falta de comida nos mercados nacionais e internacionais,
- com os OGM produz-se mais comida.

Nenhuma destas premissas está correcta, nem nunca esteve.

O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas estima que neste momento existem tantos alimentos disponíveis que dá para alimentar toda a população humana e ainda sobra um terço do total. A FAO, um outro organismo das Nações Unidas, estima que 80% das crianças com fome no terceiro mundo vivem em país com excedentes agrícolas. Não se trata portanto de um problema de falta de produção: nos mesmos países do Corno de África em que a fome ao longo da década de 1980 matou mais de 300 mil pessoas, mantiveram-se as exportações de algodão, linho e cana de açúcar (produzidos nas terras mais férteis) para os países mais desenvolvidos. No Brasil, o terceiro maior exportador mundial de comida, continuam a morrer perto de 100 mil crianças anualmente devido à fome e a causas relacionadas com a má nutrição.

O aumento de produção, aliás, pode resultar num aumento de privação. Na Costa Rica a produção de carne duplicou entre 1959 e 1972, mas o seu consumo per capita diminuiu 37 por cento no mesmo período. A carne foi exportada, em parte para alimentar os animais de estimação do primeiro mundo. Na América do Sul a fome aumentou 19% entre 1970 e 1990 embora a produção alimentar per capita tenha aumentado 8% no mesmo período. Isto significa que aumentou a comida disponível para cada pessoa, em média, e portanto a fome devia ter diminuído, nunca aumentado.
A causa principal da fome é a falta de acesso à comida – pobreza – e não a falta de comida à venda. Num mundo globalizado tornou-se mais normal produzir alimentos para quem vive do outro lado do mundo e pode pagar, do que vendê-los ao vizinho do lado que é pobre e não consegue competir em poder aquisitivo. É o leilão global e quem não tem dinheiro não pode arrematar para comer, seja ou não trangénico.

(…)

Se há fome é porque há quem lucra com isso, quem faça negócio disso, e os OGM não vão alterar a situação. Melhor que ninguém, Steve Smith, um dos executivos da Novartis (agora Syngenta), explicou numa conferência pública em Março de 2000: «Se alguém vos disser que a biotecnologia vai acabar com a fome no mundo, digam-lhe que não vai. Alimentar o mundo exige vontade política e económica, não é uma questão de produzir e distribuir.»
A falta de vontade política está a sentir-se noutras frentes. Os centros internacionais de investigação e melhoramento convencional de espécies agrícolas (CYMMIT no México e IRRI nas Filipinas, por exemplo) têm visto os seus orçamentos encolher drasticamente nos últimos anos devido ao desinteresse dos países doadores. A selecção de novas variedades por métodos tradicionais é vista como uma metodologia ultrapassada, fora de moda, ao passo que a engenharia genética atrai cada vez mais atenções e financiamentos.
Do mesmo modo o desenvolvimento de metodologias alternativas também desperta pouco ou nenhum interesse. Conhecimento, saber-fazer, boas práticas agrícolas, tudo isso representa um mau negócio: por um lado não se pode vender aos mesmos agricultores ano após ano (como as sementes e os herbicidas), por outro lado contribuirão para tornar os agricultores progressivamente independentes dos interesses comerciais predadores. E isto pode ser bom para acabar com a fome no mundo, mas é péssimo para o lucro das grandes empresas".

segunda-feira, março 06, 2006






Mutts III - "Mais Coijas" - Patrick McDonnell

Earl e Mooch, a mais divertida e ternurenta dupla de animais de BD, sendo quase tão digno como o inesquecível Calvin e Hobbes.

Para rir, rir, rir, rir, rir, rir, rir, rir (elevado ao número de tiras). Claro que só serve para quem gosta do género! Só existem ainda três livros publicados.

Ian McEwan – Sábado – Gradiva

Este livro relata o dia de 15 de Fevereiro de 2003 (sábado) da vida de Henry Perowne, neurocirurgião de sucesso, marido dedicado de Rosalind (advogada) e pai de dois filhos maravilhosos, Daisy (poetisa culta) e Theo (músico descomprometido). O Sábado de Henry começa com reflexões em relação ao terrorismo numa Londres desconfiada de pós 11 de Setembro, continua com uma descrição de uma cirurgia bem sucedida, com uma ida ao squash e considerações sobre a idade, com a visita da mãe com Alzheimer ao lar, com a apresentação de algumas músicas em estúdio do filho Theo e finalmente com um jantar de família. O dia de 15 de Fevereiro é ainda marcado pela manifestação anti-invasão do Iraque e com as respectivas discussões familiares do tema em tom de conflito geracional amigável e ainda por um incidente com o delinquente Baxter e respectivas considerações sobre o papel da sociedade nestes casos sem solução, sempre num tom paternalista e de superioridade da parte de Henry que se considera um privilegiado em termos de sanidade mental, sucesso profissional e sentimental.

Henry consegue ser muito irritante, a personagem é demasiado perfeita, levando o leitor a tentar encontrar falhas nas suas reflexões ao longo do livro. Nota-se alguma discrepância entre a opinião de Henry e a do escritor, que constrói esta personagem com o intuito de demonstrar ao leitor a sua invenção de “homem de sucesso”, em que os seus defeitos são praticamente aceites como virtudes numa sociedade em que as pessoas não param para pensar e reflectir sobre si dum modo tão perfeccionista. Entramos na intimidade de Henry quase que demasiadamente, chegando o escritor a levar ao exagero este acompanhamento da personagem a cada minuto num sábado tão longo. Por exemplo, a sequência do jogo de squash é detestável de tão pormenorizada (o que é que me interessa que a bola vá para a direita ou para a esquerda), mas necessária segundo o escritor que nos quer à força colocar dentro da cabeça de Henry (será por isso que ele é neurocirurgião)? A família de Henry é enjoativamente perfeita ou se calhar não, mas é assim que Henry a vê. Esta felicidade inabalável é tão irritante que estive a ponto de abandonar o livro a meio, por entre todos os episódios de “chacha” daquele sábado. As opiniões de Henry também não trazem nada de novo ao leitor, a única coisa que penso que interessa nem é o seu conteúdo dessas opiniões e pensamentos, mas o modo como elas representam uma intimidade que é inacessível na maior parte das pessoas.

Apesar de não ter gostado particularmente de “Sábado” tenho de admitir que existem poucos escritores com a capacidade de expressão de Ian McEwan, especialmente em relação a sentimentos pessoais que dificilmente são explicados de maneira tão clara. A escrita do final foi muito bem conseguida, quase que vale a pena forçar uma leitura de “Sábado” só por causa das reflexões finais. Mesmo assim é um livro que se esquece passados uns dias.

O melhor do livro: a amplitude de temas que são abordados, a actualidade dos temas abordados, a escrita e capacidade de expressão excepcional de Ian McEwan.

O pior: a história e as personagens irritantes.